Começa a aparecer a fatura do discurso descompromissado com as contas públicas e da desarticulação do governo no Congresso. Se no próprio Executivo predomina o princípio de que “gasto é vida”, seria difícil ver no parlamento algum comedimento e zelo com a saúde fiscal do país.
Para ser mais convincente com o Congresso, o ideal seria o Planalto liderar pelo exemplo
Distribuir benesses, ainda mais em ano eleitoral, não é problema para deputados e senadores. Assim, as pautas-bomba começam a pipocar e o Planalto não tem forças para pôr um freio nas bondades com os recursos dos contribuintes. Pelo exemplo e pela base de apoio frágil.
O mais recente caso que foge à razoabilidade foi a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição para restabelecer quinquênios para juízes e promotores. Prevê 5% de reajuste salarial a cada cinco anos, sem qualquer vinculação a desempenho. Se justificaria apenas pela passagem do tempo, como era até 18 anos atrás, quando o benefício foi extinto. É ocioso lembrar que são categorias do topo da pirâmide social. O padrinho da iniciativa é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aliado do governo. Calcula-se que o custo, pelo efeito cascata, pode chegar a R$ 42 bilhões por ano. Espera-se melhor juízo quando a matéria for a plenário.
O Planalto também enfrenta resistência para encerrar o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, criado para amparar empresas do setor na pandemia. A crise sanitária acabou, o segmento funciona a pleno, mas o Congresso dificulta o fim do benefício, mesmo de forma gradual. São mais R$ 20 bilhões em jogo. O governo caminha também para perder as quedas de braço em torno do veto a R$ 6,5 bilhões em emendas parlamentares e da reversão da desoneração da folha de pagamento de prefeituras. Neste caso, mais R$ 10 bilhões anuais.
Além da base parlamentar pequena, o governo enfrenta percalços na articulação com o Congresso, onde o apetite do centrão parece não ter limites. O presidente da Câmara, Arthur Lira, considera o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, um desafeto pessoal. O resultado de tamanha disfuncionalidade foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter de antecipar o retorno de uma viagem aos EUA para tentar melhorar a interlocução com os parlamentares sobre pautas com grande impacto no orçamento. Voltaram até sugestões de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se envolver mais no corpo a corpo com as lideranças partidárias.
O governo teve, ao longo de 2023, relativo sucesso na negociação de pautas econômicas no Congresso, ao contrário de matérias de outras áreas. Haddad foi decisivo neste desempenho, embora muitas medidas tenham sido desidratadas. Será temerário se o Planalto também começar a sofrer derrotas em série em temas que afetem as finanças.
De outro lado, convém lembrar que o governo acaba de jogar a toalha quanto à meta de produzir um superávit fiscal de 0,5% em 2025, baixando o objetivo para zero. Ficou a mensagem de que, apesar de reconhecer ser impossível cumprir o compromisso original do novo marco fiscal apenas pelo caminho da arrecadação, não está disposto a cortar gastos na magnitude necessária para atingir o resultado prometido. Para ser mais convincente com o Congresso, o ideal seria o Planalto liderar pelo exemplo. Deve-se alertar que o caminho das pautas-bomba e da gastança desenfreada produz pressão sobre juros, dólar e inflação e, ato contínuo, afeta a economia real. É uma história conhecida.