Despir-se de paixões políticas é o passo inicial para melhor avaliar o embate entre o bilionário Elon Musk, dono da rede social X, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O primeiro ponto a ser reforçado é o de que empresas com operação no Brasil devem acatar as leis nacionais e se submeter às decisões do Judiciário do país. O caminho adequado para os irresignados é apresentar os recursos cabíveis à próprio Justiça, capaz assim de rever posições e corrigir exageros. O simples desobedecimento não deve ser tolerado, e sim punido de acordo com o estabelecido pela legislação. Até por ser também um desrespeito à própria soberania do país.
Despir-se de paixões políticas é o passo inicial para melhor avaliar o embate entre o bilionário e o ministro do STF
No caso específico, Musk começou no fim de semanas uma série de ataques pessoais a Moraes e ameaçou restabelecer contas bloqueadas por decisão judicial no X, o antigo Twitter. Mas, mesmo que os despachos devam ser cumpridos, é oportuno discutir os princípios envolvidos e evocados de parte a parte. A razão não está totalmente com um dos contendores, como podem sugerir as conclusões simplistas dos adeptos a alegações de cada um dos lados. As posições de ambos merecem reparos, e a questão de fundo requer uma análise mais profunda, com mais razão e menos torção de argumentos para confirmar visões preestabelecidas.
É possível observar extrapolações de Moraes, relator de inquéritos sem transparências e que se arrastam há anos sem serem concluídos, como o das fake news e das milícias digitais. Também não há justificativa clara para a manutenção do bloqueio de contas em redes sociais. Embora possam ter existido razões reais no período das eleições. Hoje não há dúvida de que o país esteve à beira de um golpe de Estado, e a disseminação em massa de desinformação fez parte do planejamento voltado a criar um clamor popular para a ruptura institucional. O momento atual, no entanto, já permite um retorno paulatino à normalidade, sem excessos que possam ser configurados como censura prévia.
Ainda assim, é um equívoco considerar Elon Musk como um herói da liberdade de expressão. O empresário já mostrou ser bastante seletivo na defesa deste valor basilar da democracia. Em 2022, reteve contas de jornalistas de veículos como a rede CNN e dos jornais The New York Times e Washington Post. Ademais, silencia sobre a proibição do X na China, onde a sua fabricante de carros elétricos Tesla tem uma planta industrial, uma nação onde inexiste liberdade de expressão. No ano passado, a rede de Musk não contestou decisão da justiça da Turquia de restringir acessos a algumas postagens antes da eleição no país.
Por enquanto, Musk não cumpriu a ameaça. Torna-se assim questionável a decisão de ofício – mais uma – de Alexandre de Moraes de incluir o bilionário como investigado no inquérito das fake news, embora as motivações dos ataques do dono do X, alguns em tom pueril, possam ter razões ideológicas. O ministro determinou multa em caso de reativação dos perfis. O STF, no entanto, deve ser cauteloso com a possibilidade de medidas drásticas como o banimento da rede social do país. Apenas sustentaria o discurso de perseguição alimentado pela extrema direita contra a Corte e a versão delirante de uma ditadura do Judiciário instalada no país.
Do episódio, fica a certeza de que o Brasil tem de avançar na regulamentação das redes sociais. A Câmara dos Deputados tem o dever de retomar a discussão sobre o chamado Projeto de Lei das Fake News, aprovado no Senado há quatro anos. As regras devem preservar a liberdade de expressão. Mas prever mecanismos claros e eficientes para conter discurso de ódio e notícias fraudulentas no ambiente digital. O PL tem méritos como o de responsabilizar as big techs pelos conteúdos criminosos que circulam por suas plataformas, fazendo com que finalmente assumam os deveres de cuidado dos quais a todo custo tentam se eximir.