Está na hora de as lideranças dos três poderes da República demonstrarem um pouco mais de comedimento e disposição para o diálogo. A conjuntura internacional já está bastante complexa, o quadro fiscal do país inspira cuidados e tudo o que o Brasil não precisa neste instante é de uma escalada de crises institucionais.
Cada poder tem a sua parcela de responsabilidade para desescalar as crises e restabelecer de forma funcional o sistema de freios e contrapesos
Subiu nos últimos dias a temperatura da tensão entre o Congresso e o Palácio do Planalto e entre o parlamento e o Supremo Tribunal Federal (STF). Deve-se sobretudo esperar responsabilidade de altas autoridades para que questiúnculas pessoais e corporativas não se sobrepujem aos interesses do país. Está posto o desafio de exercitar, ao mesmo tempo, a independência e a harmonia entre os poderes.
O foco de estresse entre o Judiciário e o Congresso envolve a legislação sobre drogas, a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão, acusado de envolvimento no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, e a possibilidade de instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre supostos abusos de membros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São temas que também se misturam na altercação entre o Executivo e os parlamentares, em que há disputa em torno de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a matérias aprovadas, como a que restringe as chamadas “saidinhas” de presos, e a valores de emendas. Junta-se a isso a bronca pessoal do presidente da Câmara, Arthur Lira, com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, cuja função é autoexplicativa pelo nome da pasta.
O jogo democrático também comporta eventuais fricções entre os poderes. Mas o grau de preocupação é maior quando questões individuais ameaçam o diálogo formal entre as diferentes casas. Lira chamou Padilha de desafeto e, contrariado também com a demissão de um primo do Incra em Alagoas, ameaçou instalar cinco CPIs com potencial de desgastar o governo e o Judiciário e destravar pautas legislativas de interesse da oposição. A abertura de uma investigação no parlamento deve obedecer a princípios como a existência de um fato determinado que mereça apuração, e não a mera chantagem ou vingança. Matérias em tramitação têm de ser analisada por seu mérito, não por vontade de retaliar e demonstrar poder.
Assim sendo, aguarda-se maior moderação e contenção dos poderes, evitando a invasão de atribuições. Se o Congresso considera que o Supremo usurpa suas funções, que não deixe de legislar sobre temas relevantes pendentes. Deve-se lembrar que é o STF o intérprete final da Constituição, mas essa prerrogativa não é um salvo-conduto para extrapolações, como inquéritos que se arrastam sem perspectiva de conclusão. Ao Executivo, cabe a dura missão de ampliar o diálogo para alargar a sua base de apoio com argumentos mais nobres do que a distribuição de verbas e cargos. Até para não precisar recorrer sempre ao Judiciário quando é derrotado no plenário.
Cada poder, portanto, tem a sua parcela de responsabilidade para desescalar as crises e restabelecer de forma funcional o sistema de freios e contrapesos, sem que isso gere mais conflitos. Alguns momentos neste sentido já começam a ocorrer. A polarização política, a aproximação de mais uma eleição e a sucessão no Congresso são combustíveis para a instabilidade. É o momento de o bom senso preponderar.