Ainda não está clara a real intenção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao anunciar na terça-feira a criação de um grupo de trabalho na Casa para debater um novo projeto de lei para a regulamentação das redes sociais no país. A iniciativa, afirma ele, seria para construir uma alternativa viável ao PL 2630/20. O texto atual, relatado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) e também conhecido como PL das Fake News, não tem mais condições de angariar maioria para passar no plenário, sustenta Lira. Outro relator seria designado.
O PL das Fake News foi aprovado em 2020 no Senado e, ao chegar aos deputados, enfrentou uma série de resistências
Não são exageradas as desconfianças de que seria uma manobra para postergar indefinidamente o momento de a Câmara enfrentar o tema. O PL 2630 foi aprovado em 2020 no Senado e, ao chegar aos deputados, enfrentou uma série de resistências, inclusive com campanhas de desinformação com o dedo das big techs. Até uma inexistente ameaça à liberdade religiosa foi inventada para sabotar a votação.
É de interesse das grandes empresas proprietárias das redes sociais manter a situação atual, em que em regra lavam as mãos quanto ao cuidado que deveriam ter com o discurso de ódio, as notícias fraudulentas e os conteúdos criminosos. Trata-se, no fundo, apenas de interesse em lucro fácil e descompromisso com deveres éticos. Ao contrário do que é alegado maliciosamente, não há preocupação sincera com risco à liberdade de expressão. Este é um pilar para qualquer democracia sadia, mas seu conceito é reiteradamente distorcido para justificar a inércia na moderação e deixar delinquências impunes.
Será preciso permanecer atento quanto ao progresso do tal grupo de trabalho a ser formado na Câmara. Espera-se que as dúvidas quanto à verdadeira pretensão de Lira mostrem-se infundadas e rapidamente forme-se um consenso em torno de um texto que jogue luz sobre as zonas cinzentas das redes sociais.
O tema ressurgiu com o embate entre o bilionário Elon Musk, dono do X, o antigo Twitter, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Imediatamente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cobrou a Câmara quanto à paralisia para apreciar o PL das Fake News, que é fruto não apenas de debates no parlamento, mas da contribuição de amplos setores da sociedade civil e da análise de regulamentações com o mesmo objetivo no Exterior.
Será lamentável se a Câmara se omitir em um tema candente, que precisa de uma legislação específica. O ministro do STF Dias Toffoli avisou na terça-feira que deve liberar até junho votação relativa à ação que analisa a responsabilidade das redes sociais sobre os conteúdos que publicam. Versa sobre um artigo do marco civil da internet, mas se conecta com um dos aspectos tratados no PL das Fake News.
A Corte mostra-se disposta a encarar o assunto, enquanto os deputados hesitam. Não haverá surpresa se logo surgirem mais queixas do Congresso de que o Supremo estaria usurpando atribuições do parlamento. Mas não há outra saída se a Câmara outra vez fugir de suas responsabilidades. O certo é que o país tarda em ter regras claras para as redes sociais. Assim, reduz-se também o risco de eventuais arbitrariedades do Judiciário. É o melhor caminho para preservar a liberdade de expressão, abarcando a proteção até às mais esdrúxulas opiniões, mas sem deixar o ambiente virtual se tornar território livre para crimes.