Uma das grandes aflições dos brasileiros hoje é a dificuldade para honrar compromissos financeiros. Instituições especializadas apontam que mais de 70 milhões de pessoas estão inadimplentes no país. Os números são crescentes. O tema entrou na campanha eleitoral e uma das promessas do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva foi lançar um programa que ajudasse os cidadãos a quitar dívidas e limpar o nome na praça. Em janeiro, o chamado Desenrola foi anunciado como uma prioridade, mas uma série de entraves atrasou a iniciativa, que enfim se inicia hoje. Ao mesmo tempo que se deseja sucesso ao plano, deve-se advertir para os riscos de ser apenas um paliativo, com a bola de neve do endividamento voltando a rolar e crescer ao longo do tempo.
Ao mesmo tempo que se deseja sucesso ao plano, deve-se advertir para os riscos de ser apenas um paliativo
O programa tem méritos. Uma das fases que começam nesta segunda promete tirar do cadastro negativo o nome de cerca de 1,5 milhão de pessoas que devem até R$ 100, embora a dívida não seja perdoada. Em tese, podem retornar ao consumo via crédito. A outra é válida para a renegociação de pendências bancárias de quem tem renda mensal de R$ 2,64 mil a R$ 20 mil. As instituições financeiras têm o incentivo de antecipar créditos tributários, limpando os balanços e ganhando nova capacidade para emprestar. A etapa seguinte, focada na população que ganha no máximo dois salários mínimos e tem até R$ 5 mil em contas atrasadas, será operacionalizada apenas em setembro. O governo vai organizar leilões de dívidas, buscando desconto nos débitos. O Tesouro dará garantias para cobrir eventuais inadimplências.
O objetivo do governo é, enquanto ajuda milhões de brasileiros a se livrarem da angústia da inadimplência, permitir que esse contingente volte a consumir e, assim, a economia ganhe um impulso extra pelo mercado interno. Ocorre, no entanto, que as taxas de juros estão em patamares exorbitantes. Mesmo que o Banco Central (BC) inicie em agosto o ciclo de corte da Selic, hoje em 13,75% ao ano, tende a ser em um ritmo moderado nos próximos meses, com pouco impacto nas condições assumidas pelos tomadores. Quem voltar a consumir via crédito corre o risco de acabar com o mesmo dissabor. O ideal, portanto, seria que a decisão de compra fosse consciente e bem calculada, e não movida pelo impulso. O Brasil, infelizmente, é um país com uma população sem uma educação financeira adequada.
Surgem, ao mesmo tempo, informações de que o presidente Lula gostaria de lançar um novo programa para estimular a aquisição de eletrodomésticos da linha branca. Por certo, como ocorreu com a recente iniciativa voltada a alavancar a venda de veículos, com subsídios públicos para baratear o preço ao consumidor. Descontos são um chamariz eficaz, mas outra vez cria-se o perigo de descontrole que desemboque na incapacidade de honrar compromissos.
Fórmulas semelhantes para catapultar o consumo foram usadas no passado. Não geraram repercussões consistentes na economia e contribuíram para déficits fiscais. Resultados mais sustentáveis poderiam ser obtidos se o governo ajudasse com a sinalização de responsabilidade com as contas públicas, para deixar o BC mais confortável para baixar juros e não criar expectativas de maior inflação futura. Sim, há um processo de desinflação em curso, mas muito causado por commodities e alimentos, de maior volatilidade. Preços como os de serviços, mais sensíveis aos juros altos internos, seguem resilientes – 6,12% em 12 meses, enquanto o índice geral do IPCA fechou junho em 3,16% no mesmo recorte temporal.
A relevância e a tempestividade do Desenrola devem ser reconhecidas. Ressalta-se apenas a importância de serem criadas as condições macroeconômicas – inflação controlada, juros em queda e avanço sustentado da atividade – para que não represente somente um alívio fugaz.