O Conselho Monetário Nacional (CMN) deu um passo sensato e na direção correta ao decidir na quinta-feira alterar o sistema de metas de inflação. Foi a primeira mudança significativa no regramento adotado pelo país desde 1999. Em resumo, significa que o Banco Central (BC) não tem de, necessariamente, entregar ao final de cada ano um nível determinado de variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O objetivo traçado passa a dever ser alcançado em um prazo maior. Por isso, é conhecido como meta contínua. Esse horizonte à frente ainda será definido pelo BC, mas presume-se que, na prática, será de 24 meses. O novo modelo começa a valer em 2025
Com a alteração, o Brasil se alinha a outras economias do primeiro mundo, como Estados Unidos e países europeus
Com a alteração, o Brasil se alinha a outras economias do primeiro mundo, como Estados Unidos e países europeus, que fizeram transição semelhante em suas políticas de prazo para contenção inflacionária nos últimos anos. Acredita-se que, por exigir menor urgência temporal para que a meta seja atingida, sirva para suavizar mudanças monetárias bruscas, como a elevação do juro básico em velocidade mais acentuada. Choques poderiam ser evitados.
O próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, também membro do CMN, era favorável à alteração, que considerou um aperfeiçoamento. A correção de horizonte foi ainda bem recebida na sexta-feira pelo mercado financeiro, com a alta da bolsa e a queda dos juros futuros e do dólar. A decisão também abre maior margem para que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC encontre os fundamentos necessários para dar início ao ciclo de corte da Selic na reunião do início de agosto.
O encontro do CMN foi importante também pelo que não foi modificado. Como se esperava, manteve em 3% o objetivo para a inflação de 2024 e 2025 e anunciou que o patamar também valerá para 2026. A partir da meta contínua, a meta de 3% (sempre no acumulado de 12 meses) será perseguida com um prazo maior de tolerância que não o ano fechado de janeiro a dezembro. Permanece a margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Há no mundo uma discussão sobre se os bancos centrais não teriam de se acostumar a níveis inflacionários mais elevados por um período além do esperado. Foi uma reflexão expressada nos últimos dias inclusive pela vice-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath. Questiona-se, também, se a meta de 3% seria realista para um país em desenvolvimento como o Brasil, ainda mais em uma época de preços globais em alta.
São discussões válidas, mas que nesse momento trazem riscos locais adicionais. É preciso levar em consideração o ambiente atravessado pelo país. No caso, uma enorme pressão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outros membros do governo para o BC cortar o juro, enquanto ao mesmo tempo o Planalto busca espaço para elevar gastos públicos. Temia-se, portanto, que uma elevação da meta conduzisse a uma desancoragem nas expectativas de mercado, por passar a mensagem de que o BC poderia ser mais leniente com a inflação.
Votam no CMN três membros. Campos Neto, por ser presidente do BC, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Simone Tebet, titular da pasta do Planejamento. Haddad e Tebet, como é notório, se somam ao coro sobre o juro. Mas mostraram responsabilidade na decisão sobre a meta. Ruídos à parte, felizmente prevaleceu a sensatez na hora de bater o martelo. Os preços têm mostrado deflação no atacado e desinflação nos índices mais amplos, mas nunca é ajuizado cutucar o dragão.