A aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados da chamada PEC da Anistia, que proíbe a aplicação de sanções a partidos políticos que não cumpriram cotas de sexo ou raça nas últimas eleições, é mais um desses episódios que concorrem para o descrédito dos brasileiros nas suas lideranças políticas. Ao chancelar a admissibilidade constitucional da proposta na última terça-feira, por 45 votos a favor e 10 contrários, a CCJ deu sinais claros de que o Congresso, mais uma vez, tentará driblar a Justiça Eleitoral, para perdoar legendas que descumpriram cotas eleitorais e cometeram irregularidades no uso de recursos públicos.
A autoanistia desperta críticas de vários setores da sociedade, inclusive dos conselhos criados para assessorar o governo federal na tomada de decisões
O que mais constrange e revolta é a constatação de que deputados de ideologias opostas esquecem suas diferenças quando se trata de agir em causa própria – o que raramente fazem nos temas de interesse nacional. A incoerência fica mais gritante quando se percebe que a aliança de ocasião está sendo feita para burlar uma legislação que os próprios parlamentares aprovaram recentemente, faturando os ganhos políticos do avanço social instituído.
Depois de anos de discussão, as cotas e recursos destinados à candidatura de negros e mulheres foram implementadas para estimular a entrada de parcelas desta população na política. Para tanto, as agremiações partidárias receberam no ano passado recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário com percentuais específicos a serem destinados às cotas referidas. Não cumpriram o combinado e gastaram o dinheiro. Agora, não querem devolver.
O texto aprovado pela CCJ, que ainda será submetido a outras comissões antes de seguir para o plenário da Câmara, diz claramente: “Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimento de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça nas eleições de 2022 e anteriores”. Ou seja, fica o dito pelo não dito.
A autoanistia desperta críticas de vários setores da sociedade, inclusive dos conselhos criados para assessorar o governo federal na tomada de decisões. Em carta encaminhada aos ministros da Casa Civil e da Secretaria de Relações Institucionais, 52 membros do Conselhão e do Conselho de Participação Social estão pedindo que a base de apoio rejeite a PEC, sob os argumentos de que “já passou da hora e já houve tempo o suficiente para a adaptação das agremiações às regras, de que o combate ao racismo e ao machismo avance em nossas estruturas partidárias e políticas, mudando a vergonhosa realidade de sub-representação de mulheres e pessoas negras na política nacional”.
O pedido é oportuno e contempla a vontade da maioria da população. Cada vez que as lideranças políticas e administrativas do país agem em causa própria, caso também de eventuais e excessivos reajustes salariais autoconcedidos pela alta cúpula dos poderes da República, os cidadãos perdem a confiança nos políticos e a democracia representativa se fragiliza um pouco mais.