O presidente Luiz Inácio Lula da Silva gastou boa parte de seus quase cinco meses de mandato em viagens a outros países e dedicando-se a questões externas, como a guerra na Ucrânia. Convém que passe, a partir de agora, a dar mais atenção aos problemas domésticos, em especial a consertar a articulação trôpega do Planalto no Congresso.
Os últimos dias foram pródigos em sinais de que o governo está muito distante de ter uma base confiável. A aprovação da nova âncora fiscal na Câmara deve ser creditada muito mais ao empenho do presidente da Casa, Arthur Lira, embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também tenha se esmerado no diálogo com as lideranças parlamentares. Nos outros temas de interesse do Executivo, no entanto, foram derrotas sucessivas e acachapantes. Aí entram os decretos que tentaram alterar pontos do novo marco do saneamento, o esvaziamento das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, o afrouxamento de regras de proteção da Mata Atlântica e a aprovação da urgência para a votação do chamado marco temporal, sobre demarcação de terras indígenas. A instalação de várias CPIs é outro sinal de fragilidade.
Os últimos dias foram pródigos em sinais de que o governo está muito distante de ter uma base confiável
Ao mesmo tempo que os eleitores brasileiros sufragaram um presidente de esquerda, elegeram um Congresso de maioria conservadora. O parlamento vem se fortalecendo nas últimas legislaturas, avançando em atribuições em que o Executivo tinha antes mais domínio, como controle de emendas e questões orçamentárias. É um jogo em que o centrão, habituado a se moldar a qualquer governo para tirar proveito próprio, domina as regras. Trata-se de uma realidade bastante distinta dos primeiros dois mandatos de Lula. Hoje, o governo não consegue a fidelidade de partidos de centro-direita contemplados com ministérios, como o União Brasil e o MDB, nem de aliados à esquerda.
O Planalto, portanto, parece embretado pelas forças majoritárias do Congresso. Na quinta-feira, tentando minimizar as dores de cabeça, Lula disse que a solução seria pela via política e o jogo recém estava começando. Deduz-se que o presidente, de conhecida habilidade na arte do convencimento, vai se dedicar mais à articulação. Resta esperar os resultados. O centrão, empoderado e diante de um governo que bate cabeça, talvez exija mais do que diálogo. É ingenuidade supor que não haverá mais toma lá dá cá. Espera-se que ao menos as linhas republicanas sejam respeitadas.
Lula demonstra obsessão em ter protagonismo em um acordo de paz para o conflito no Leste Europeu. O que o mundo espera do Brasil, no entanto, é um papel de liderança na questão climática, na preservação do meio ambiente e na transição energética. É nessa arena que o governo deveria se centrar se quiser reconhecimento externo. Mas, para isso, terá de resolver contradições internas, como o embate em torno da exploração de petróleo na foz do Amazonas e promover uma reviravolta na articulação no Congresso, para não sofrer novas derrotas em série.
A complexidade do panorama político exige uma mudança de postura. Em relação ao governo, fica óbvio que é preciso buscar mais alinhamento interno e escolher melhor as pautas em que vai gastar energia. Querer mexer no marco do saneamento e rever a privatização da Eletrobras, por exemplo, é encomendar novas derrotas certas. Lula, pessoalmente, deveria relegar mágoas a um segundo plano, medir palavras ao mencionar setores refratários ao PT e, principalmente, ser mais presente nas negociações com o parlamento. Caso contrário, sair das cordas será ainda mais difícil ou mais caro.