É desnecessário e inoportuno instalar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para tratar da invasão e da depredação dos prédios dos Três Poderes, no infame 8 de janeiro, em Brasília. São várias as razões que tornam uma pretensa investigação por parte de deputados e senadores, ao que parece agora inevitável, inadequada e inconveniente.
Além de ineficaz, a CPMI vai só acirrar a polarização destrutiva
Este seria o momento de o Congresso – que pouco produziu desde o início da nova legislatura – se dedicar com afinco a debater e votar temas essenciais ao país. O novo marco fiscal, decisivo para sinalizar o controle das finanças públicas, acaba de chegar à Câmara. A matéria deveria ser prioridade máxima. É necessário analisar o texto com seriedade, aperfeiçoá-lo e levá-lo aos plenários com a maior celeridade possível. A aprovação de uma boa regra será capaz de começar a criar condições para a queda da taxa Selic. O juro alto sufoca a economia. Asfixia famílias e empresas.
O risco, no entanto, é de que tempo e energia preciosos sejam desperdiçados pelas atenções do governo e de congressistas voltadas à CPMI. O mesmo vale para a reforma tributária, há décadas clamada pela sociedade. O país tem finalmente uma oportunidade palpável de materializar uma alteração substancial no sistema de cobrança de impostos. Nunca se esteve tão próximo de um consenso. Mas arrisca-se que o interesse dos parlamentares acabe canalizado para a disputa de “narrativas”, para utilizar a palavra que se tornou usual nos últimos anos.
O histórico das CPIs em Brasília mostra que raras chegam a alguma consequência e contribuem decisivamente com a justiça. Em regra, viram um palco de exibicionismo para que seus membros busquem ganhar popularidade. O caráter histriônico tende a se aguçar agora. Basta ver a performance lamentável recente de congressistas em comissões, com gestos desrespeitosos, gritaria, bate-boca e ameaças de agressão física. Se o decoro já é comprometido em reuniões menos explosivas, não se deve esperar comportamento ajuizado em um assunto que vai gerar ainda mais confrontos. Alguns nomes cogitados, do lado do governo e da oposição, reforçam essa percepção. Mais do que apurar, o esforço será por ter o domínio das versões que circularão pelas redes sociais.
Por fim, há o objeto da CPMI. Todo o contexto e a profusão de imagens, nos meses anteriores e no dia, são claríssimos ao mostrar que os atos golpistas foram incitados, organizados, financiados e perpetrados por bolsonaristas radicais. As recentes imagens divulgadas do então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, circulando no ambiente interno do Palácio do Planalto sem confrontar os extremistas, deram gás à oposição. G. Dias, como é conhecido, tem o que explicar, e ainda na sexta-feira prestou depoimento à Polícia Federal (PF).
O governo também cometeu o erro grave de não ser transparente e tentar evitar a divulgação de todas as cenas. Mesmo assim, há grande distância entre o que ainda é preciso esclarecer e a possibilidade de levar a sério a tese de que o governo recém instalado, uma das vítimas do ataque, ao lado do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), foi omisso de forma proposital. Nem é preciso lembrar de todos os fatos, amplamente conhecidos, o que não impede uma parcela da população de teimar em acreditar apenas no que confirma as suas crenças. As investigações, com técnica e sobriedade, estão sendo conduzidas pela PF, com supervisão do STF. Seria melhor deixar as apurações para quem entende do riscado, e o Congresso se dedicar aos temas em que pode ajudar o país. Além de ineficaz, a CPMI vai só acirrar a polarização destrutiva.