Em paralelo à transição de governo, trava-se no país preocupante queda de braço entre uma instituição basilar do sistema republicano – o Poder Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal – e um movimento assumidamente antidemocrático – representando por políticos conservadores, lideranças parlamentares conhecidas e por setores da sociedade inconformados com o resultado eleitoral ou comprometidos com o governo que está saindo.
Confrontos pessoais e perseguições devem ser evitados para não estimular a violência de militantes que se alimentam do radicalismo e da desinformação
Na semana passada, uma operação da Polícia Federal contra bolsonaristas radicais, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, provocou imediata reação dos parlamentares mais incendiários do Partido Liberal, que é a atual sigla do presidente da República. Representantes do PL no Congresso voltaram a pressionar lideranças das duas casas legislativas pelo avanço de pautas centradas na limitação dos poderes do Judiciário e até mesmo no impeachment de ministros da Corte. No outro extremo da disputa, ao participar de um seminário no STF, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral afirmou que “ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar”, referindo-se aos recentes atos de vandalismo ocorridos em Brasília no dia da diplomação do presidente recém- eleito.
Tudo indica que está havendo excessos de ambos os lados, ainda que o Supremo esteja cumprindo a sua missão de proteger a Constituição contra os negacionistas da democracia. É inegável que as instituições judiciais e os órgãos policiais precisam combater o radicalismo e o golpismo, especialmente de facções que vandalizam, depredam e atentam contra a ordem pública. Mas o país não precisa de um xerife no STF – até mesmo porque a experiência recente da Operação Lava-Jato demonstrou ser negativo para o próprio processo judicial quando juízes e integrantes do Ministério Público agem de forma messiânica ou com demasiado voluntarismo. Em síntese, confrontos pessoais e perseguições devem ser evitados para não estimular a violência de militantes que se alimentam do radicalismo e da desinformação.
Diante da perspectiva conflitante em andamento, o desejável é que lideranças sensatas de todos os setores envolvidos – Judiciário, parlamento, governo que sai e governo que entra – busquem logo um melhor caminho para o diálogo. Evidentemente, os agressores da democracia e das instituições, especialmente os responsáveis por atos de vandalismo, devem ser devidamente responsabilizados. Mas as ações judiciais terão melhor efeito e mais legitimidade se forem guiadas por decisões colegiadas, e não por rompantes personalistas que acabam gerando suspeitas de vingança ou perseguição.
Não pode haver dúvidas de que o Judiciário tem que ser respeitado como instituição, mesmo que eventualmente se discorde de alguma decisão judicial. O mesmo vale para o parlamento e para os demais poderes e organismos da administração pública. Compete a todos nós, cidadãos e autoridades, fiscalizar o bom funcionamento dessas estruturas e até questioná-las quando julgarmos necessário, mas sempre considerando que o mais importante é a preservação da democracia, da liberdade e da soberania popular.