Enquanto ainda na segunda-feira à noite surgiam dúvidas quanto à colaboração de integrantes do governo atual para uma transição serena e transparente, noticiou-se que o vice-presidente Hamilton Mourão, senador eleito pelo Estado, fez um gesto de civilidade e de reconhecimento do resultado das urnas. General da reserva, Mourão entrou em contato com o seu sucessor no cargo, Geraldo Alckmin, o parabenizou e colocou-se à disposição para contribuir com uma passagem de bastão tranquila. Vida que segue, como se costuma dizer na linguagem coloquial para as situações cotidianas quando algo não acontece como o desejado.
Aos perdedores resta se organizarem para disputar o próximo ciclo, em 2026, e tentar, outra vez por meio do voto, retornar ao Palácio do Planalto
O mesmo Mourão, profundo conhecedor da caserna, deu ontem nova demonstração de respeito à decisão soberana do eleitor. Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, voltou a descartar qualquer hipótese de algum tipo de intervenção militar para tentar reverter o desfecho da eleição em que o vitorioso foi Luiz Inácio Lula da Silva. O futuro senador gaúcho deixou claro que ficou frustrado com a derrota do presidente Jair Bolsonaro no domingo. Mesmo assim, a institucionalidade e a reverência à Constituição vão prevalecer. Lula assume no dia 1º de janeiro. Assunto encerrado.
Por sua autoridade e pelo seu conhecimento de causa, Mourão deveria ser ouvido pelos manifestantes que, principalmente na quarta-feira, se postaram à frente de quartéis Brasil afora reivindicando uma antiquada e ilegal reviravolta via ruptura – o que não ocorrerá. O resultado eleitoral foi chancelado por observadores internacionais, governos estrangeiros reconheceram a lisura da disputa, e a conclusão do processo foi acatada e louvada por todas as instituições nacionais. Apesar de todo o ruído dos últimos anos, as Forças Armadas conhecem a sua missão constitucional e seguirão fiéis a ela. A eleição é página virada.
O atual vice-presidente renovou ainda as críticas ao bloqueio de rodovias, um atentado contra o direito de ir e vir, que prejudica a circulação de mercadorias e pessoas, atrapalhando a economia e a vida de milhões de brasileiros. A mesma postura teve Bolsonaro ao pedir aos seus apoiadores, na quarta-feira à noite, que parassem de trancar estradas. É hora de retomar o contato com a realidade e voltar ao trabalho para construir um país mais próspero e com oportunidades para todos.
Bolsonaro autorizou formalmente a transição e ela está em andamento. Vários outros expoentes do bolsonarismo e integrantes do primeiro escalão do governo federal deram declarações no mesmo sentido: o momento é de aceitar o resultado do pleito e se preparar para ser oposição, o que também faz parte do jogo. Eleições periódicas, livres e justas, são pilares inabaláveis da democracia. A alternância de poder, sempre que esse for o desejo do eleitor, é um sinal de vitalidade dos princípios republicanos. Aos perdedores resta se organizarem para disputar o próximo ciclo, em 2026, e tentar, outra vez por meio do voto, retornar ao Palácio do Planalto.