Foi frustrante a manifestação do presidente Jair Bolsonaro ontem, quase 48 horas após o resultado da eleição. Além de não reconhecer claramente a derrota, postura esperada de qualquer democrata, foi dúbio em relação aos protestos de alguns de seus apoiadores mais radicalizados que desde a noite de domingo bloquearam pontos de várias rodovias do país. Mesmo com o injustificado atraso em se pronunciar, Bolsonaro tinha a chance de se portar à altura do cargo. Perdeu, mais uma vez, a oportunidade de ter um comportamento mais próximo de um estadista.
Importa agora mais para o país acompanhar a formação do governo Lula e os seus planos para o futuro do Brasil
O presidente poderia ainda ter demonstrado grandeza e apelado de forma direta para seus seguidores encerrarem a baderna antidemocrática nas estradas. Em uma interpretação condescendente, o Supremo Tribunal Federal (STF), em nota, foi conciliador e demonstrou ver de forma positiva a fala curta de Bolsonaro, que ao menos recriminou o cerceamento do direito de ir e vir e, de forma indireta, pela declaração feita em seguida pelo ministro-chefe da Casa Civil, determinou o início da transição, um reconhecimento implícito do pleito de domingo.
É preciso, de fato, começar a olhar mais para a frente. Mas os acontecimentos em curso preocupam. O direito de protestar é legítimo, mas a causa e a forma das mobilizações nas rodovias são indesculpáveis e merecem o repúdio da sociedade. Pela ilegalidade, demandam uma efetiva ação das forças de segurança pública para dissolvê-las completamente, em estrita obediência a determinações judiciais nesse sentido.
A principal razão da balbúrdia protagonizada por caminhoneiros bolsonaristas e outros grupos de apoiadores do presidente é o resultado da eleição. Pode-se não gostar do desfecho, mas isso não permite a pregação de qualquer tipo de intervenção para alterar o resultado soberano das urnas. O respeito à vontade da maioria do eleitorado é princípio inegociável. É grave ainda usar como estratégia para afrontar a Constituição subterfúgios que prejudicam a população. Trancar estradas compromete a economia, afeta o abastecimento de mercadorias, leva a atrasos em compromissos e a riscos inclusive à vida, quando a interrupção do trânsito atrapalha o deslocamento de pessoas levadas a socorro médico ou a tratamento.
Foi ainda lastimável, nesse episódio, a postura da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Ao se omitir nas primeiras horas dos bloqueios, após as estranhas e rigorosas operações do dia das eleições, abriu margem para alimentar as suspeitas de que a instituição age instrumentalizada pelos interesses políticos do governo de ocasião, enquanto deveria comportar-se como órgão de Estado. Ao que parece, a corporação decidiu cumprir as suas funções apenas após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, corretamente determinar na segunda-feira à noite medidas imediatas por parte da PRF e das polícias militares estaduais. No caso da PRF, foi preciso Moraes ressaltar que, caso as devidas providências não fossem tomadas, o diretor-geral, Silvinei Marques, poderia ser multado, afastado do cargo e até preso.
Os mandatários dos Estados, felizmente, mostraram estar ao lado da lei. O mesmo compromisso demonstrou o governador gaúcho, Ranolfo Vieira Júnior, ao determinar a ação das forças de segurança onde o diálogo não produzisse resultados. As decisões judiciais sobre a arruaça são claras. Desobediências devem ser punidas com multas pesadas, recolhimento de veículos e, se for necessário, prisões. É preciso evitar, no entanto, generalizações injustas. Esse não é um movimento da classe dos caminhoneiros, mas de alguns integrantes radicalizados da categoria e de outros militantes bolsonaristas.
Bolsonaro, de qualquer forma, está a dois meses de tornar-se ex-presidente. Importa agora mais para o país acompanhar a formação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o detalhamento de seus planos para o futuro do Brasil.