São cada vez mais contraditórios os conceitos de liberdade defendidos por grupos de bolsonaristas como os que protestam nos últimos dias trancando estradas no país e se concentraram ontem no Centro Histórico de Porto Alegre. O que pretendem, ao que parece, é apenas o direito inexistente de atacar física e verbalmente, espalhar inverdades, conspurcar a democracia e cometer crimes livremente.
A eleição acabou, o resultado deve ser respeitado e a ordem tem de ser restabelecida
Exemplos desse comportamento inadmissível foram os atos de violência contra profissionais da imprensa cometidos por celerados que estavam nas proximidades do Comando Militar do Sul nessa quarta-feira, reivindicando uma delirante possibilidade de intervenção das Forças Armadas contra o resultado das eleições de domingo. Uma equipe da Band foi agredida e teve equipamentos quebrados, enquanto outra do SBT sofreu ameaças verbais e foi obrigada a deixar o local para preservar a integridade física. Uma repórter e um cinegrafista da Record também foram expulsos por manifestantes. Em dias anteriores, profissionais da Rádio Gaúcha e da RBS TV já haviam sido intimidados em pontos de bloqueio de estradas.
Todos os envolvidos nesses episódios lamentáveis devem ser identificados, responsabilizados e exemplarmente punidos.
Casos semelhantes não faltam nos últimos anos. Alguns que dizem querer resguardar a liberdade de expressão não hesitam em investir da maneira mais vil contra essa mesma liberdade e ainda impedir o livre exercício profissional da imprensa, que apenas cumpre a sua missão de levar a informação à sociedade. A escalada de animosidade e intolerância chegou a um nível impensável para um país democrático como o Brasil. A Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul passou a orientar que equipes de reportagem enviadas para cobrir os protestos procurem a Brigada Militar para que façam o seu trabalho escoltadas, como medida para evitar novas agressões. Poucas vezes se testemunhou tamanha intimidação acintosa contra a liberdade de imprensa no Brasil, o que se configura em uma afronta à própria democracia.
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP na sigla em espanhol) divulgou em julho a mais recente edição do Índice de Liberdade de Expressão e Imprensa. A pontuação do país recuou, e o Brasil, entre 22 nações, está na vergonhosa 19ª posição. A entidade deixa claro que uma das principais razões para a colocação é a postura agressiva emanada do governo federal. “O discurso autoritário do Poder Executivo não só atinge a imprensa com constantes ataques e ofensas, como também deteriora a já frágil democracia no país”, destaca a organização.
A Associação Riograndense de Imprensa (ARI), em nota assinada pelo presidente, José Maria Rodrigues Nunes, se solidarizou com os profissionais agredidos, ressaltou “veemente repúdio aos atos de violência” e apelou às autoridades “para que garantam o livre exercício da atividade jornalística e punam os agressores na forma da lei”. Lembrou ainda que ontem, 2 de novembro, era Dia Internacional pelo Fim da Impunidade de Crimes contra Jornalistas, data escolhida pela ONU. A Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert) e o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Rio Grande do Sul (SindiRádio) divulgaram outra manifestação de repúdio aos ataques e de solidariedade às equipes das emissoras. “Meios de comunicação livres serão sempre um importante pilar do Estado democrático de direito”, diz trecho do texto firmado pelo presidente das duas entidades, Roberto Cervo Melão.
É intrigante que os manifestantes, pretensos defensores da liberdade, peçam uma intervenção inconstitucional que conduz a lembranças do período da história brasileira em que essas mesmas liberdades individuais mais foram suprimidas. São atos antidemocráticos e baderna de cunho golpista. É preciso que compreendam: a eleição acabou, o resultado deve ser respeitado e a ordem tem de ser restabelecida.