Devido ao irrealismo do Orçamento da União para 2023 aprovado pelo Congresso e às promessas de campanha dos dois candidatos que disputaram o segundo turno, era notório que, passadas as eleições, teriam de ser reabertas negociações com o parlamento para encontrar uma solução para a armadilha fiscal hoje posta. Um dos principais nós a ser desatado é do Auxílio Brasil. Pelo texto que hoje vale, o benefício será de R$ 405 no próximo ano. Mas tanto o presidente eleito quanto o derrotado se comprometeram em manter o valor atual de R$ 600. Luiz Inácio Lula da Silva, o vitorioso, acenou com mais R$ 150 para mães com filhos de até seis anos de idade. É preciso encontrar uma fórmula para financiar esses e outros gastos sem deteriorar ainda mais as contas públicas.
É decisivo formular um novo dispositivo capaz de demonstrar que o país terá uma trajetória de sustentabilidade da dívida pública
Está em negociação uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para definir uma espécie de licença extraordinária para cobrir esses custos, retirados do limite do teto de gastos. A chamada PEC da Transição, que deve ser apresentada na próxima semana, abriria um espaço entre R$ 160 bilhões e R$ 200 bilhões. Nessas contas estão outras promessas, como recomposição dos recursos para o Farmácia Popular, correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física e um ganho real do salário mínimo.
A reação do mercado financeiro nos últimos dias, com o dólar em queda e a bolsa em alta, mostra que são números mais ou menos esperados pelos agentes. Mas a boa vontade pode não ser duradoura, conforme os próximos movimentos. Há, portanto, algumas sinalizações que seria importante o futuro governo fazer, como forma de manter a confiança dos investidores. Seria relevante, por exemplo, a definição de um nome para o Ministério da Fazenda que gerasse credibilidade, com uma equipe econômica também de perfil compromissado com a higidez das contas públicas.
Ao longo da campanha, Lula anunciou e repetiu que acabaria de vez com o teto de gastos, mecanismo que não permite o crescimento dos gastos em um patamar acima da inflação. Passa a ser crucial, na sequência de definições, a apresentação do instrumento que será a nova âncora fiscal do país e impedirá a gastança desenfreada. Está dado que 2023 não será um exercício de contenção de gastos. É decisivo, então, formular um novo dispositivo capaz de demonstrar que, nos anos seguintes, o país terá uma trajetória de sustentabilidade da dívida pública. A excepcionalidade não pode se repetir. Caso contrário, juro, câmbio e inflação continuarão altos, dificultando uma retomada mais robusta da economia e dando continuidade ao processo de corrosão da renda da população.
O cenário atual é reflexo da enxurrada de gastos de cunho social e desonerações feitos às pressas poucos meses antes das eleições. Sequer o tamanho do rombo é conhecido. Fala-se em uma cifra em torno de R$ 200 bilhões. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles chega a calcular algo próximo de R$ 400 bilhões. Especula-se que, se a ideia da PEC não prosperar, outra saída seria um crédito extraordinário por medida provisória. Seja qual for a saída escolhida, espera-se que seja incansável a busca pela equipe de transição que trata do tema por conciliar os compromissos e a recomposição de gastos para programas sociais com responsabilidade fiscal para os próximos anos. Construir – ou reorganizar – uma peça orçamentária significa fazer escolhas, e muitas delas são difíceis. A questão central, agora, é demonstrar que a licença para gastar mais será, de fato, apenas para 2023.