Na ânsia de tentar conter a onda de desinformação que inunda a campanha em curso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem perigosamente se equivocado em alguns casos, escorregando para censura contra veículos de comunicação. Várias decisões da Corte nas últimas semanas determinaram a remoção de conteúdos produzidos pela imprensa profissional e mesmo a proibição de se abordar certos assuntos, situação que atingiu particularmente a emissora Jovem Pan.
A Carta de 1988 é cristalina na defesa da liberdade de imprensa, ao mesmo tempo que repele a censura
É um caminho temerário e inaceitável, mesmo a pretexto de se defender a democracia e o equilíbrio do processo eleitoral. A razão é muito simples. A postura do TSE nesses episódios afronta princípios da Constituição. Em vários pontos, a Carta de 1988 é cristalina na defesa da liberdade de imprensa, ao mesmo tempo que repele a censura – seja posterior à publicação ou, ainda mais grave, o cerceamento prévio. Não é razoável lançar mão de um expediente ilegítimo à luz da Lei Maior com a alegação de proteger o Estado democrático de direito.
Imprensa e seus profissionais têm responsabilidades, mas podem, eventualmente, exceder-se ou cometer abusos. Pessoas ou candidaturas contam com vias jurídicas consolidadas para buscar reparação caso se sintam ofendidas ou prejudicadas, vitimadas por informações inverídicas. O acesso é via legislação ordinária, que prevê direito de resposta, aplicação de multas ou responsabilização por crime eleitoral.
Não se trata aqui de endossar ou analisar o mérito dos conteúdos, comentários ou posturas em questão. Veículos e profissionais de comunicação não estão isentos de críticas. O que está em discussão é a salvaguarda de um dos mais importantes preceitos constitucionais do país e a defesa da liberdade de expressão, cláusulas em sintonia com o balizamento legal das nações mais desenvolvidas e democráticas do mundo, onde impera a livre circulação de ideias. A censura, ao contrário, é uma interferência descabida na atividade jornalística, típica de regimes autoritários. Não é papel do TSE ser curador da qualidade jornalística. Nessa mesma linha, preocupa a resolução aprovada ontem que permite à Corte agir de ofício e remover de plataformas informações já consideradas infundadas e replicadas em outras redes, sem necessidade de existir uma representação do Ministério Público ou de advogados. É uma concentração de poder, no mínimo, controversa.
Deve-se salientar que a liberdade de expressão não é sinônimo de licença para mentir, difamar, criar ou espalhar deliberadamente desinformação com objetivos espúrios, inclusive eleitorais. Esses comportamentos devem ser rechaçados e há remédios legais para reprimi-los. O jornalismo profissional, por sua vez, vive de credibilidade e tem a missão de levar a melhor informação a seu público, apurada com técnica e rigor, e lastreada em fontes confiáveis. Tem ainda especial interesse em combater as fake news e, nos últimos anos, também se dedica à checagem, para desmentir conteúdos fraudulentos que proliferam especialmente pelas redes sociais.
Após as eleições de 2018, marcadas por uma avalanche de desinformação, a Justiça Eleitoral decidiu deixar um pouco de lado a postura histórica de interferência mínima. Acertadamente passou a dar atenção especial ao tema na atual campanha, posição elogiada neste espaço. Nota-se maior preparação e agilidade nas ações, mas mesmo assim a dimensão de distorções e falsidades é tão avassaladora que o TSE não tem conseguido dar respostas adequadas ao volume de ataques disparados de todos os lados. Talvez angustiados com essa incapacidade, alguns ministros da Corte tenham extrapolado. Ainda há tempo de refletir, perceber os equívocos e corrigi-los, retornando ao trilho da Constituição.