São alarmantes os resultados do estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan) divulgado ontem sobre o quadro da fome no país. O levantamento constatou a existência de cerca de 125 milhões de pessoas com algum nível de incerteza quanto ao que terão para comer. Desde dúvidas quanto ao acesso à comida em algum momento à frente até a privação severa, caso de cidadãos que relataram passar um dia inteiro sem nada para ingerir.
Não é crível que uma das maiores potências agrícolas do mundo tenha dezenas de milhões de habitantes nesta situação
De cada 10 famílias brasileiras, três sofrem com alguma das três variantes de insegurança alimentar: leve, moderada ou grave. Refletindo as desigualdades regionais do país, o trabalho mostra um panorama mais preocupante no Nordeste e no Norte. O Rio Grande do Sul, porém, apresenta números que requerem atenção, especialmente em relação a pessoas submetidas ao mais alto grau de falta de comida.
Conforme o estudo, 14,1% dos gaúchos passam por insegurança alimentar grave. É um percentual inferior à média nacional (15,5%), mas há 10 unidades da federação com taxa inferior. Isso significa que existe um substantivo número de rio-grandenses que, sem renda suficiente, passam fome.
Incluindo-se os três níveis, 47% dos habitantes do Estado padecem com algum risco em relação à nutrição. É a terceira menor porcentagem do país, o que não deixa de ser alentador diante da situação nacional, mas mesmo assim é uma realidade inaceitável, que requer ações para atacar o problema.
O estudo da Penssan detectou ainda que a perspectiva é ainda mais amarga nos domicílios brasileiros com crianças de até 10 anos de idade. Trata-se de um agravante, porque meninos e meninas com fome, comprovadamente, aprendem menos mesmo que frequentem a escola. Passou da hora de a sociedade não apenas se revoltar com os números, mas se engajar para cobrar soluções.
É inegável que o país, com crescimento médio do PIB pífio nos últimos anos, retrocedeu na inclusão social. A pandemia ainda afetou o emprego, a renda e elevou o custo de vida. O endividamento das famílias aumentou, o que também ampliou o número de famintos. O Brasil, que desde meados da década passada não figurava no Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), voltou a integrar a lista neste ano. Em junho, em fase anterior do mesmo estudo, a Penssan divulgou que 33 milhões de brasileiros sofriam com algum grau de insegurança alimentar. Cerca de três décadas atrás, quando a população nacional era 27% menor, a quantidade era de 32 milhões, conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Programas como o Auxílio Brasil e campanhas de arrecadação de mantimentos – como a que nasceu pelas mãos da Assembleia gaúcha – são meritórios e ajudam, mas não são o suficiente. Junto a iniciativas de transferência de renda mais bem calibradas, é preciso reestruturar redes de proteção, como as relacionadas à merenda escolar. É indispensável ainda que o país reencontre a estabilidade para assegurar um crescimento mais duradouro da economia, que possa ser apropriado também pelas camadas sociais baixas. Assim, mais pessoas, no Estado e no país, terão acesso à alimentação de qualidade na frequência necessária para uma vida digna. Não é crível que uma das maiores potências agrícolas do mundo tenha dezenas de milhões de habitantes nesta situação.