Os brasileiros foram surpreendidos nos últimos dias por uma série de revelações sobre pretensos representantes de empresas que supostamente estariam fazendo a intermediação da venda de vacinas contra a covid-19. Esses atravessadores diziam mediar negociações entre laboratórios e o poder público, algo completamente estranho à prática dos principais e mais reconhecidos fabricantes. Mesmo que ainda exista muito por esclarecer, alguns detalhes dessa rede intricada de difícil compreensão foram revelados pelo depoimento na CPI da Pandemia do cabo da Polícia Militar mineira Luiz Paulo Dominghetti Pereira, ouvido como representante da Davati Medical Supply, empresa norte-americana que dizia revender doses do imunizante da AstraZeneca. Dominghetti, que acusou um agora ex-diretor do Ministério da Saúde de pedir propina, citou ainda uma série de nomes que tomariam parte dessas hipotéticas negociações e indicações de contatos. Entre eles, empresários, militares e até um reverendo.
Tudo indica que as doses envolvidas, na verdade, não existiam, e os personagens desse enredo rocambolesco estavam à procura de dinheiro fácil
Em meio a uma pandemia de gravidade ímpar, não é nada crível que tratativas que deveriam ser de alto nível hierárquico, tanto dos laboratórios quanto do governo federal, fossem conduzidas por pessoas com essas ocupações. Tudo indica que as doses envolvidas, na verdade, não existiam. E os personagens desse enredo rocambolesco, dos dois lados do balcão, estavam à procura de dinheiro fácil, a ser obtido de forma escusa.
Os indícios de que o desespero dos gestores públicos por vacinas, após vacilação inicial do governo federal, serviu para pessoas pouco honestas tentarem tirar alguma vantagem foram confirmados pelo relato do presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Maneco Hassen, que revelou ontem em entrevista à Rádio Gaúcha uma série de contatos de golpistas com propostas mirabolantes de vacinas para prefeitos do Estado. Fez certo Hassen ao passar as informações ao Ministério Público, para uma apuração sobre as supostas ofertas que, ao que se conclui, não passavam de tentativas de estelionato, explorando a angústia da população por vacinas.
Todos esses casos, inclusive a inusual negociação envolvendo a vacina indiana Covaxin, exigem uma profunda investigação para que fatos e condutas sejam esclarecidos e os envolvidos em golpes, atos de corrupção e eventuais omissões sejam responsabilizados. Todo malfeito deve ser combatido, mas os que agora envolvem falsas esperanças de aquisição de vacinas ou mesmo possíveis subornos nas negociações existentes merecem uma atenção especial das autoridades pela sordidez e, ao fim, punições exemplares, caso sejam provadas as culpas.