Quem circula pelas ruas de Porto Alegre e por outras cidades mais populosas do Estado depara com um número crescente de crianças e adolescentes nos cruzamentos, pedindo trocados ou vendendo produtos para se alimentar ou ajudar de alguma forma suas famílias. O quadro, especialmente preocupante na Capital, foi esmiuçado nos relatos colhidos na reportagem "O fim da infância", de Vitor Rosa, com fotografias de André Ávila, publicada na superedição de ZH. Trata-se de uma chaga resultado de um quadro complexo, sem solução fácil, mas que não pode ser naturalizada pelo poder público e pela sociedade mais ampla.
No caso dos menores que têm a infância roubada em nome da urgência de suprir as necessidades mais básicas, é preciso uma ação estruturada que produza não apenas resultados imediatos
A percepção é confirmada pelos números. No ano passado, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) contabilizou, em Porto Alegre, 334 crianças e adolescentes encontrados pela primeira vez em situação de trabalho infantil. É uma quantidade 178,3% superior à de 2019. E não há razão para acreditar que em 2021 o panorama tenha sido mitigado. Pelo contrário.
O desemprego dos pais, escolas fechadas e a inexistência de uma rede de proteção para amparar os menores de idade que buscam o básico da sobrevivência nas ruas, onde estão sujeitos a uma série de perigos, são as causas mais evidentes desse problema, agravado em grande medida pela pandemia. Essas crianças e adolescentes, em primeiro lugar, deveriam estar nas salas de aula ou recebendo educação qualificada online, porta de entrada para a oportunidade de almejar um futuro digno, com maiores chances de encontrar crescimento pessoal e profissional. Mantida a situação atual, eles estarão condenados ao subemprego e à mercê de serem cooptados pelo crime.
Qualquer país que pretende se desenvolver precisa encontrar meios de incluir os desvalidos. Crianças merecem atenção especial. É preciso, portanto, que todas as esferas, órgãos públicos, ONGs e entidades privadas, muitas já envolvidas em ações concretas, se mobilizem ainda mais e cooperem para acolher e encontrar saídas para fazer esses jovens recuperarem as esperanças. Ao longo da pandemia, o Rio Grande do Sul assistiu a uma onda de solidariedade materializada na preparação de refeições e doações de alimentos, EPIs e agasalhos para as populações mais desprotegidas. Mas, no caso dos menores que têm a infância roubada em nome da urgência de suprir as necessidades mais básicas da subsistência, é preciso uma ação estruturada que produza não apenas resultados imediatos.
Ou seja, além de eventuais programas de transferência de renda ou acolhimento, vencer esse desafio no médio e longo prazos só será possível se a educação estiver no centro da estratégia. Ao mesmo tempo, espera-se que o país ingresse em uma era de recuperação da economia e mais geração de postos de trabalho, para conseguir absorver a mão de obra ociosa. O avanço da vacinação contra a covid-19 torna esse cenário mais palpável. Com adultos empregados, as crianças tendem a poder se dedicar mais aos estudos, reunindo condições de sonhar com um futuro de dignidade.