Não restam dúvidas. Sem irresponsabilidades e omissões em série, o Brasil poderia ter números não tão dilacerantes como os atuais, com 4 mil mortes diárias e uma soma de mais de 350 mil vítimas fatais. Todos os equívocos relacionados à pandemia estão fartamente documentados e, cedo ou tarde, chegaria a hora de analisar as condutas que contribuíram para a tragédia em curso. Isso não significa, necessariamente, que o melhor caminho, neste momento, seja a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para averiguar possíveis culpas.
Resta esperar que a CPI tente primar por uma atuação técnica e não se transforme somente em combustível a alimentar a infindável crise política do país
Ao longo dos anos, a maior parte das CPIs realizadas nos país não cumpriu, infelizmente, os seus objetivos. Em regra, as comissões acabam se tornando palanque eleitoreiro e palco de disputas políticas, contribuindo para vulgarizar e desacreditar esta importante ferramenta institucional de investigação. Acabam, como popularmente se diz, em pizza, sem levar adiante as imputações, em meio ao jogo de pressões, peças movidas nos bastidores e manobras regimentais.
O fato é que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso acolheu mandado de segurança apresentado por três senadores e, em decisão liminar, determinou que a Casa instalasse a chamada CPI da Pandemia. Decisão judicial tem de ser sempre obedecida, mas é cabível questionar se é apropriada ou extemporânea, por iniciar exatamente no momento em que a crise sanitária chega ao seu pico e quando o governo federal, após longo transe, finalmente desperta para a importância de acelerar a vacinação. Autoridades do Ministério da Saúde, que deveriam estar 100% focados no combate à covid-19, terão agora de despender tempo também para prestar as explicações que serão buscadas pelos senadores membros da CPI. Há ainda as dificuldades para que seja efetiva em um período em que os encontros presenciais estão limitados em face da necessidade de manter o distanciamento social. A comissão de inquérito das fake news, por exemplo, está paralisada desde o início do ano passado.
Apesar da conveniência da CPI no auge da crise sanitária ser no mínimo discutível, é preciso reconhecer que todos os preceitos legais para a sua instalação foram cumpridos, como número mínimo de assinaturas, objeto específico e tempo de duração. Fiscalizar o Executivo é uma prerrogativa do parlamento. Há ainda um direito constitucional das minorias que deve ser preservado. A instauração, porém, vinha sendo procrastinada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (Democratas-MG), que além de ser um aliado de Jair Bolsonaro também alegava que o momento não era apropriado, por desviar da prioridade de concentração de esforços para debelar a pandemia. A decisão de Barroso, da mesma forma, tem precedentes, como no caso da CPI dos Bingos, em 2005, e da do Apagão Aéreo, em 2007. Resta agora esperar que, nos seus trabalhos, a comissão tente primar por uma atuação técnica e não se transforme somente em combustível a alimentar a infindável crise política do país. Se, caso contrário, não chegar a conclusões solidamente embasadas, pode até acabar beneficiando os agentes causadores do agravamento da pandemia no Brasil, facilitando que escapem de futuras responsabilizações.