Deveria servir de exemplo e inspiração para as lideranças brasileiras a carta que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, endereçou na metade do mês a Eric Lander, presidente e fundador do Broad Institute, criado por uma colaboração entre o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Harvard, duas das mais renomadas universidades norte-americanas no mundo e centros irradiadores de inovação. Na missiva, Biden diz repetir gesto do ex-presidente Franklin Roosevelt, que em 1944 questionou o seu consultor científico, Vannevar Bush, sobre como a ciência e a tecnologia poderiam contribuir para a segurança e a prosperidade econômica pelos próximos 75 anos. Em tempos em que adeptos do obscurantismo tentam emergir das sombras, a iniciativa é uma firme renovação na crença de que a investigação científica é a chave para o progresso e o bem-estar.
A área ambiental é um exemplo, com grande potencial de desenvolvimento tecnológico
Uma das grandes motivações da carta, admite o próprio Biden, é geopolítica. Não poderia se esperar que fosse diferente. Em um dos trechos, o presidente americano levanta o questionamento sobre como os EUA poderão garantir que estarão à frente na corrida tecnológica especialmente ante à concorrência chinesa e seus investimentos maciços na área. "Nosso futuro depende de nossa capacidade de acompanhar nossos concorrentes nos campos que definirão a economia de amanhã”, diz Biden. Um alerta semelhante deveria servir para o Brasil, ao menos para o país despertar para o sucateamento de centros de pesquisa, a desvalorização da ciência, o subfinanciamento e falta de estímulos que levam a uma acelerada fuga de cérebros. Sem uma guinada na política nacional para o setor, os brasileiros continuarão a perder terreno na maratona do desenvolvimento disputada na era do conhecimento.
Joe Biden usa ainda a crise atual da covid-19 para instar os cientistas a discutir e levar para a Casa Branca sugestões de como se prevenir e enfrentar situações semelhantes no futuro, garantindo um sistema de saúde pública mais inteligente e eficaz. Ao mesmo tempo, estimula a busca de respostas sobre como a ciência e a tecnologia poderão lidar com as mudanças climáticas. Biden entende ser essa uma realidade inexorável e que requer "uma ação ousada e urgente". Mas crê que lutar para mitigá-las também se tornará uma grande oportunidade para criar uma nova economia e investimentos inovadores, gerando inclusive milhões de empregos bem-remunerados. Outro propósito nesse novo horizonte de mais 75 anos, ressalta ele, é assegurar que todos esses avanços sejam usufruídos de forma igualitária por seus compatriotas.
No Brasil, onde sequer o Orçamento 2021 foi votado, a profusão de turbulências dificulta planejar e enxergar o que pode acontecer no exercício seguinte. O país não tem o poderio econômico dos EUA, mas pode aos poucos construir políticas e incentivos para que a inovação avance. A área ambiental é um exemplo, com grande potencial de desenvolvimento tecnológico. Mesmo que os recursos públicos sejam escassos, é possível uma melhor redistribuição de verbas. É factível ainda a criação de incentivos para que a iniciativa privada possa investir mais na produção de conhecimento, com ganhos para toda a população. É preciso criar um ecossistema amigável para a pesquisa, estancando a debandada da inteligência nacional para o Exterior. Edificar um futuro esperançoso, no entanto, só será possível sobre os alicerces de uma revolução educacional. Uma transformação no ensino que, sobretudo, assegure à grande maioria das crianças brasileiras um aprendizado compatível com os desafios das próximas décadas.