O pedido de demissão de Wilson Ferreira Junior da presidência da Eletrobras, frustrado pela falta de perspectiva concreta de privatização da empresa, é mais um sinal eloquente do abandono da agenda liberal pelo governo federal. A promessa de uma massiva desestatização e menor intervenção na economia mostra-se cada vez mais um discurso que foi eleitoralmente conveniente, mas que, dia a dia, não encontra respaldo nas ações. Enquanto se inicia o terceiro ano de gestão de Jair Bolsonaro, nenhuma estatal foi repassada à iniciativa privada e, pelo contrário, uma nova empresa pública foi criada.
O governo precisa mostrar na prática o desejo de levar adiante a alienação de empresas públicas e as reformas
Mesmo que Ferreira tenha atribuído a decisão aos posicionamentos dos principais candidatos ao comando do Senado e da Câmara, uma vez que a privatização da Eletrobras tem de passar pelo Congresso, o pouco esforço pessoal de Bolsonaro também foi citado como motivo para sua descrença. Os favoritos para vencer a eleição nas duas casas legislativas, é preciso lembrar, são apoiados pelo Planalto. É fato que a alienação da Eletrobras enfrenta resistência de parlamentares, mas, ao mesmo tempo, é inegável que o governo não se move para levar o processo adiante, a despeito das promessas do ministro Paulo Guedes.
Falando ontem a investidores, Bolsonaro disse que privatizações e reformas serão prioridades em 2021. O problema é que acenos genéricos como esses foram feitos às mancheias pelo governo e, até agora, quase nada andou, a não ser a mudança das regras da Previdência, mais por dedicação do Congresso do que do Executivo. A prática tem sido em sentido oposto às medidas liberalizantes. Ainda em dezembro, Bolsonaro garantiu que a Ceagesp – central de abastecimento de alimentos de São Paulo – não seria privatizada, apesar de ele mesmo ter assinado o decreto que incluiu a empresa no programa nacional de desestatização. Outra amostra do verdadeiro pendor de Bolsonaro veio da tentativa de intervenção no plano de reestruturação do Banco do Brasil, no início do mês. Também começa a preocupar o mercado a defasagem dos preços dos combustíveis em relação às cotações internacionais. No ar, novos temores de ingerência política na empresa.
O irretorquível, como dito antes, é que nenhuma estatal foi até agora privatizada, a não ser subsidiárias. O R$ 1 trilhão prometido por Guedes é hoje motivo apenas de chacota, assim como o compromisso do ministro, assumido no início de julho do ano passado, de quatro grandes vendas em até 90 dias. Abertura comercial e fim de uma série de desonerações ineficientes, da mesma forma, foram esquecidas. A palavra tantas vezes empenhada em vão foi fatal para a credibilidade do outrora superministro, o que é péssimo para qualquer encarregado de função semelhante em qualquer país do mundo.
Mais do que culpar o tal "establishment", como repete o ex-secretário especial de Desestatização Salim Mattar, que pediu o boné no ano passado, também frustrado, o governo precisa mostrar na prática o desejo de levar adiante privatizações e reformas. Caso contrário, apenas se consolidará a percepção predominante de um liberalismo da boca para fora. Nota-se até agora preocupação muito maior em não enfrentar corporações por temor de perda mais acentuada de apoio, de olho em 2022. É um erro clássico de populistas. A fatura costuma ser cobrada da população, em forma de baixo crescimento, desequilíbrio fiscal, crises incessantes e desemprego.