A criação de um novo tribunal federal em Minas Gerais, aprovada na quarta-feira pela Câmara, revela uma desconcertante falta de sintonia da maioria dos deputados com o que deveria ser neste momento prioridade no parlamento em termos de cuidados com os recursos públicos. Em uma época de severos desafios às finanças da União ocasionados pela pandemia do novo coronavírus, a Casa decide pela inoportuna concepção de uma estrutura que, mesmo utilizando atuais magistrados e servidores e prédios existentes, acabará se convertendo em mais gastos. Novos desembargadores, por exemplo, precisarão ser nomeados para preencher as vagas do futuro Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6).
A criação de um novo tribunal federal não devia ser prioridade do Congresso Nacional
A decisão dos deputados federais mostra que, a despeito da gritante falta de recursos para o atendimento de serviços básicos à população, os lobbies e interesses meramente políticos falaram mais alto. A necessidade de austeridade foi outra vez deixada em segundo plano. A criação do TRF6 em Minas Gerais, é preciso ressaltar, teve forte influência do agora ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça, o mineiro João Otávio de Noronha, que deixou ontem o cargo e tem se mostrado um esforçadíssimo candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), que será aberta em novembro, com a aposentadoria do ministro decano, Celso de Mello. O centrão, da mesma forma, abraçou a ideia despropositada com devoção.
Como todo serviço público, o Judiciário merece tratamento apropriado e precisa de recursos adequados para operar, mas os gastos na área no Brasil já são visivelmente superiores em termos proporcionais aos de vários países. Chegaram a R$ 100,2 bilhões em 2018, o equivalente a 1,5% do PIB nacional, de acordo com dados recentes divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça. Ou seja, um custo anual de R$ 479,16 por cidadão brasileiro, R$ 10,7 a mais do que um ano antes. Outro estudo, um pouco mais antigo, de 2015, do cientista político Luciano da Ros, professor da UFRGS e doutor em Ciência Política pela Universidade de Illinois, em Chicago, apontou que, enquanto no Brasil as despesas com o Judiciário chegavam a 1,3% do PIB, o custo era significativamente menor em nações como Espanha (0,12%), Estados Unidos (0,14%), Portugal (0,28%), Chile (0,22%) e Argentina (0,13%).
A criação do TRF6, vista de maneira isolada, poderia ser uma questão menor, mas ilustra o problema de fundo do Brasil, com uma tendência apresentada pelos três poderes de demonstrar pouco apreço pelo Brasil real, formado por empresas e trabalhadores que se esforçam para pagar seus impostos e, diante das sucessivas crises atravessadas pelo país, mal conseguem fechar as suas próprias contas e lutam para sobreviver de um mês para o outro. Um Congresso com rompantes perdulários e um governo que, de uma hora para outra, se embriagou com a repentina melhora na popularidade e se converteu com entusiasmo ao assistencialismo, antes condenado, são um enorme risco para a estabilidade macroeconômica do país. Os primeiros sinais aparecem na alta do dólar e dos juros futuros, no nervosismo dos investidores em ações e na retirada enorme de recursos do país por estrangeiros. Se a inebriante insensatez não for contida, em breve os efeitos passarão para a economia real, frustrando outra vez a tão esperada retomada do crescimento.