Merece toda a atenção da sociedade o alerta feito na semana passada pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a iminência de uma tragédia causada pela pandemia do novo coronavírus que pode levar décadas para ser superada. António Guterres referia-se ao que classifica como a maior crise jamais vista na educação global, com 1 bilhão de alunos fora de suas classes pelas escolas fechadas, uma calamidade que afeta principalmente as crianças de famílias mais desvalidas, com maiores dificuldade para acessar aulas remotas. “Enfrentamos uma catástrofe geracional que pode desperdiçar um potencial humano incalculável, minar décadas de progresso e acentuar desigualdades enraizadas”, advertiu Guterres.
A inquietação do secretário-geral da ONU deveria despertar de forma especial as autoridades brasileiras de todas as esferas de poder, organizações sociais, mestres, especialistas na área e pais. Sem qualquer dúvida, a educação é o mais poderoso vetor da redução da desigualdade, uma chaga em que o país é infelizmente um dos campeões mundiais. Mas, para que seja possível tornar esse condão uma realidade, é imprescindível dispensar um cuidado especial à escola pública, exatamente onde estão os que sofrem mais com a paralisação das aulas presenciais.
Se a crise do coronavírus impõe obstáculos duros, pode ao mesmo tempo fazer com que o Brasil, de maneira forçada, dê os primeiros passos para melhorar os métodos de ensino à distância
Um dos grandes desafios mais imediatos, quando for possível, será a reabertura dos colégios, conciliada com a segurança para evitar que se tornem centros irradiadores de novos surtos de covid-19. A priorização orçamentária, apontada pela ONU como um dos pilares para reverter o quadro, parece de certa forma melhor encaminhada no Brasil com a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) na Câmara e que agora tramita no Senado. No curto prazo, porém, a queda de arrecadação de Estados e municípios pela crise econômica é uma dificuldade adicional à espera de solução.
A disponibilidade de recursos é ainda essencial para colocar em prática uma série de programas, que também são analisados pelo Congresso, voltados a dar melhores condições para que alunos carentes consigam uma boa conexão com a internet. Se a crise do coronavírus impõe obstáculos duros, pode ao mesmo tempo fazer com que o Brasil, de maneira forçada, dê os primeiros passos para melhorar os métodos de ensino a distância por meio da aprendizagem com as tecnologias digitais. Muitas dessas discussões deveriam ser capitaneadas pelo Ministério da Educação, que há um ano e meio vive mais de confusões do que de formular boas políticas para a área no Brasil. Espera-se que o novo titular da pasta, Milton Ribeiro, traga em breve as suas ideias para o MEC recuperar o papel de bússola do ensino no país.
Com uma aprendizagem de qualidade insuficiente antes da chegada da pandemia, o Brasil deve ser particularmente impelido a buscar novas formas de fazer com que suas crianças tenham um futuro melhor pela frente, possam crescer pessoalmente, tornem-se cidadãos plenos e contribuam para o desenvolvimento do país. Se a educação abre portas para novas oportunidades e tem o potencial de diminuir desigualdades, é a grande chance de se começar a criar uma nação mais justa e próspera. Com o bônus demográfico chegando ao fim, resta ao Brasil melhorar a produtividade do trabalho se quiser recuperar o tempo perdido e ser uma nação de ponta no cenário mundial nas próximas décadas. Para isso, a educação é o único caminho.