Dois movimentos recentes – um brasileiro e outro de caráter internacional – têm o poder, cada um a seu modo, de representar novos e significativos obstáculos à profusão de falsidades e estímulos ao ódio que povoam a internet, em particular as redes sociais.
Iniciativas podem se combinar para uma necessária revitalização do ambiente digital das redes e dos aplicativos de mensagens
No Brasil, o Projeto de Lei 2.630/20, popularmente conhecido como PL das Fake News, foi aprovado por 44 votos a 32 no Senado e agora segue para discussão e votação na Câmara Federal. No campo internacional, centenas de grandes anunciantes decidiram suspender ou se retirar do Facebook, do Instagram e do Twitter, descontentes com a incapacidade dos gigantes digitais de conter a disseminação da desinformação e da intolerância, com sérios reflexos sobre os processos eleitorais, a democracia e a convivência harmônica em sociedade. Se bem-sucedidas, as duas iniciativas podem se combinar para uma necessária revitalização do ambiente digital das redes e dos aplicativos de mensagens, hoje conspurcados por difusores de informações falsas para produzir reações indignadas e levar à tomada de posições sobre premissas deliberadamente mentirosas.
Não sem razão, o projeto de lei evoca uma série de controvérsias e temores de que possa representar restrições à liberdade de expressão e ameaças à privacidade. Não há na proposta pretensões de que, fora do âmbito judicial, como já ocorre hoje, aliás, se possa acessar conteúdos privados. O projeto, na verdade, procura reforçar mecanismos que desestimulem aqueles que produzem e distribuem desinformação de modo industrial. Mesmo assim, precisa de mais tempo para ser aprofundado na discussão com a sociedade e de cuidados extras para que as plataformas não sejam empoderadas para decidir o que deve ou não ser liberado como conteúdo aceitável.
Um dos fundamentos da liberdade de expressão é bem delimitado pela Constituição de 1988, que em seu Artigo 5º, inciso IV, define: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". É justamente no anonimato que se escondem os bandoleiros digitais e seus robôs que multiplicam as mensagens mentirosas e de ódio. Liberdade de se manifestar nunca significou liberdade para cometer crimes tipificados nos Códigos Penal e Civil, e o projeto facilita a investigação de delitos cometidos por anônimos que podem atingir qualquer cidadão.
Apesar da necessidade de aprimoramentos no projeto, a pior postura em relação aos crimes em andamento nas redes sociais é aquela que apregoa que o melhor a fazer é não fazer nada. Por isso também deve ser visto como um saudável questionamento a iniciativa das grandes marcas de exigirem do Facebook, bem como de todos os gigantes digitais, mais garantias de segurança sobre onde estão depositando suas reputações e de que os recursos gerados pelos anúncios não emularão ainda mais a propagação de conteúdos mentirosos, preconceituosos, racistas e de ódio.
Em comunicação, a melhor regulação é sempre aquela em que o próprio setor se regula, guiado pelo desprendimento, pela ética social e por valores consolidados, como ocorre com as principais empresas de comunicação do mundo. Diante da inação das plataformas, porém, compreende-se a impaciência e o desconforto de grandes anunciantes, pois já passou do tempo de aguardar por ações espontâneas para que se barrem conteúdos falsos e de ódio. Seja por supostas dificuldades técnicas das redes ou porque abrir mão deles significa abdicar de enorme quantidade de coleta de dados sobre seus usuários, um eficaz controle da desinformação e do discurso de ódio atinge o coração de seus negócios bilionários. A longo prazo, porém, a solução definitiva para a desinformação é a educação, capaz de produzir cidadãos que distingam o falso do verdadeiro, o certo do errado, em relação tanto a conteúdos quanto às opções que a vida lhes coloca à frente.