Após serem conhecidos os detalhes da proposta de reforma tributária do Palácio Piratini, é preciso reconhecer que, em linhas gerais, o conteúdo tem um contorno que vai na direção correta, mantendo o compromisso do governador Eduardo Leite de fazer com que as alíquotas de ICMS voltem aos patamares praticados até 2015, mesmo que de maneira gradativa. É uma forma responsável de não descumprir uma promessa, enquanto deixa de comprometer ainda mais o erário já depauperado do Rio Grande do Sul, o que inevitavelmente se materializaria caso os percentuais fossem reduzidos de forma abrupta. Mesmo que a sociedade não suporte mais a excessiva carga do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, os efeitos da pandemia, que impôs uma freada brusca na atividade econômica e teve efeitos na arrecadação, mudaram drasticamente o cenário.
A redução paulatina das alíquotas nos próximos anos, de acordo com a proposta, promete devolver um pouco mais de competitividade às empresas gaúchas
É aberta agora a temporada dos debates necessários entre os setores envolvidos, governo e Assembleia, para o aprimoramento do texto. Mas a lógica que permeia a proposta é apropriada. Principalmente em pontos como a desoneração do consumo, o estímulo à realização de negócios entre empresas do Rio Grande do Sul, os benefícios a famílias de baixa renda e, de outro lado, a ideia de taxar um pouco mais o patrimônio, como forma de compensação. O ICMS, é preciso sempre lembrar, traz em si o caráter cruel de ser regressivo, ou seja, em regra são os contribuintes com condições econômicas inferiores que acabam sendo mais onerados por pagarem proporcionalmente mais em relação à sua renda.
De outra parte, a redução paulatina das alíquotas nos próximos anos, de acordo com a proposta, promete devolver um pouco mais de competitividade às empresas gaúchas, muitas vezes taxadas em patamares superiores às concorrentes instaladas em outros Estados. O resultado conhecido é o êxodo de companhias, em busca de melhores condições para operar, com consequências negativas para o emprego. Da mesma forma, a intenção de criar apenas duas faixas de ICMS aponta no sentido correto de simplificação, combatendo a grande complexidade hoje reinante na forma de diversas alíquotas praticadas, o que gera custos e alimenta insegurança jurídica. A revisão de incentivos fiscais, outro aspecto sensível, precisa ser cirúrgica e dosada de uma maneira que não inviabilize setores e encontre os segmentos que podem sobreviver sem essa ajuda e que certamente ganharão com os benefícios que aparecerão no longo prazo na economia gaúcha caso o plano mostre os bons resultados esperados. Embora interesses localizados sejam legítimos, é preciso pensar, em primeiro lugar, no todo.
A reforma apresentada pelo Piratini tenta começar a encontrar soluções para problemas antigos e crônicos, mas mira pouco o futuro e negócios florescentes. Conta com estímulos ao uso de energias limpas, é verdade, mas o pacote perde a oportunidade de preparar o Rio Grande do Sul para a nova onda em que a competitividade e a inserção global serão cada vez mais ligadas ao domínio de matrizes tecnológicas baseada em frentes como o 5G e a inteligência artificial. Muitos setores, como o agronegócio, têm uma dinâmica própria e estão constantemente se reinventando com pesquisa e desenvolvimento. Mas seria preciso começar a criar desde já os alicerces para edificar uma economia que tenha maior aderência ao conhecimento, à ciência e à inovação. Sem essa atenção especial, também nas décadas vindouras o Rio Grande do Sul pode ver passar o bonde da História e seguir andando de lado, enquanto outros Estados e países pisam fundo no acelerador do progresso.