Epicentro de mais um de tantos duelos oratórios e de notas de lado a lado que volta e meia agitam Brasília e depois se esvaecem no ar, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, vive uma sina para a qual não tem muita escolha. General de divisão da ativa, segue um princípio basilar da caserna: militar não escolhe ou recusa missão. Refém da falta de uma política federal de contenção do coronavírus, se vê transformado em alvo involuntário dos que justificadamente clamam por uma ação mais efetiva do Planalto para se represar a tragédia que já consumiu mais de 75 mil vidas de brasileiros.
Um general da ativa à frente do ministério que faz a contabilidade trágica representa um desgaste para as Forças Armadas
Seria tarefa hercúlea mesmo para um ministro efetivo, com amplo conhecimento do setor.Ao general neófito em saúde não foi dada nenhuma dessas opções. Conhecido pelos bons préstimos na coordenação das tropas do Exército na Olimpíada do Rio e na Operação Acolhida, de recepção aos migrantes venezuelanos em Roraima, foi convocado pelo comandante supremo das Forças Armadas, o presidente da República, para aquilo que, por sua formação em Intendência, sabe fazer. Como secretário-executivo do então ministro Nelson Teich, coube ao general administrar complexa e urgente logística da distribuição de equipamentos, pessoal e verbas a Estados e municípios.
Para o método Bolsonaro de governar, Pazuello foi um achado. Sem ambições políticas ou habilidades comunicativas e avesso a polêmicas, não faz sombra ao chefe e cumpre o que lhe é determinado, sem tergiversações. Foi assim que experimentou o ponto mais obscuro de sua curta gestão ao se ver enredado em uma tentativa de maquiar números. Foi uma dose demasiada de bolsonarismo, e a orientação acabou revertida.
A política de Bolsonaro para a pandemia até o momento limitou-se a abdicar de um plano nacional de enfrentamento, apregoar a qualidade de um medicamento não comprovado, desdenhar das medidas de restrição e se omitir na comunicação e na liderança no combate à doença, assumida por governadores e prefeitos. Mesmo sem plano e comando – o que carimba em Bolsonaro o título de um dos piores dirigentes mundiais na contenção do coronavírus –, a máquina federal não deixou de cumprir seu papel essencial, por mérito do SUS e de seu pessoal técnico.
É nessa logística que reluz um dos raros méritos do governo e onde deve ser destacada uma ação limitada mas relevante de Pazuello. Enquanto muitos governadores e prefeitos acordam com a Polícia Federal na porta de casa, não há até agora notícia de fraudes sistêmicas nas bilionárias compras federais. Onde alguns viram a militarização da saúde o general viu um seguro contra a sanha que costuma atacar o dinheiro público, sobretudo em momentos que dispensam licitações. Mas não há dúvida de que a presença de um general da ativa à frente da pasta que faz a contabilidade trágica do coronavírus é um desgaste de imagem para as Forças Armadas, que não pediram e nem lutaram pelo cargo. Vaga avidamente disputada pelo centrão ou por aqueles que enxergam um butim no enorme orçamento distribuído por milhares de contratos do ministério. Aliás, o mesmo constrangimento de riscos à reputação do Exército levou o general Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, a passar para a vida civil.
É pouco provável, nem desejável, que a interinidade de Pazuello se estenda na Saúde. Mas de nada adiantará a indicação do mais competente gestor púbico em saúde da história brasileira se ele tiver as mãos atadas por um presidente que insiste em dizer que quem manda é ele e que se convenceu de ter descoberto a cura da maior emergência sanitária da Terra em um século. O problema de fundo não é o ministro. Está localizado um andar acima.