É indiscutível que, com a irrupção do novo coronavírus, a prioridade é cuidar da saúde e levar o socorro mais imediato aos trabalhadores e empresas que perderam renda e receita com a pandemia. Dar a devida atenção às medidas de curtíssimo prazo, porém, não significa esquecer de começar a planejar melhor o país para os brasileiros, assim que a crise sanitária começar a arrefecer. É neste contexto de economia de joelhos e finanças públicas agonizantes que se acentua a necessidade de se começar a pensar em profundas reformas que deflagrem uma espécie de reconstrução do Brasil.
O dinheiro do contribuinte, que hoje banca benefícios a granel para grupos favorecidos praticamente imune à crise, precisa ser mais bem distribuído
Esta janela de oportunidade foi percebida, por exemplo, pelo Equador, onde o governo apresentou uma série de medidas, como redução de salários e de jornada do funcionalismo público, corte de gastos considerados supérfluos e eliminação de uma série de estatais ineficientes e acumuladoras de prejuízos, uma conta que acaba dividida com toda a população. No Brasil, durante as discussões que envolveram o pacote de ajuda a Estados e municípios, governadores mostraram bom senso ao apoiar a intenção do presidente Jair Bolsonaro de vetar a possibilidade de aumento para o funcionalismo. É este tipo de consenso que o Brasil precisa construir mais vezes.
Todos os gastos gerados pela pandemia, aliados à queda da arrecadação, vão aprofundar o buraco fiscal de União, Estados e municípios. É inimaginável, neste sentido, manter uma porta aberta para reajustes irresponsáveis, exatamente para aqueles que, em regra, já são privilegiados em relação aos trabalhadores da iniciativa privada, que enfrentam o desemprego, o risco de demissão e a redução de jornada e salário. Mas é preciso ir além, retomando assim que possível a proposta de reforma administrativa para diminuir esta abissal diferença de remuneração que existe hoje entre as duas classes de assalariados. O dinheiro do contribuinte, que hoje banca benefícios a granel para grupos favorecidos e praticamente imunes à crise, precisa ser mais bem distribuído, o que significa levar serviços mais dignos à grande maioria dos brasileiros.
Reforma tributária, segurança jurídica, desburocratização e distensionamento de relações trabalhistas são apenas algumas das outras necessidades sobre as quais o país precisa se debruçar para diminuir o custo Brasil, facilitar a retomada da economia, melhorar a competitividade em relação a outras nações mais modernas e retomar o caminho do desenvolvimento. Para avançar nestes e em outros temas, porém, é preciso amainar as tensões políticas reinantes no Brasil, trocando a beligerância pela união, mesmo que circunstancial, em torno de reformas que beneficiarão a todos. Neste sentido, deveria se esperar que Jair Bolsonaro abandone de vez a sua propensão ao conflito e, como foi observado na reunião de quinta-feira com os governadores e os presidentes da Câmara e do Senado, ajude a construir uma mínima concórdia que dê chances reais de o Brasil se reerguer.