É consenso entre quem tem postura responsável e preocupações sérias em relação à disseminação do novo coronavírus no país que há uma expressiva subnotificação no número de casos no território nacional, o que faz o Brasil ficar no escuro para traçar e implementar estratégias para combater a doença e planejar, onde for possível, uma gradual reabertura das atividades. Pois é exatamente este trabalho para conhecer um quadro mais próximo do real que vem sendo executado sob a coordenação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), mas que ao longo dos últimos dias enfrentou graves dificuldades. Entrevistadores do Ibope que ajudam na tarefa tiveram material destruído e foram detidos, ameaçados e agredidos, resultado da difusão desenfreada de fake news e desleixo de autoridades estaduais e municipais, que falharam na comunicação e no apoio aos pesquisadores.
É lamentável que até autoridades do primeiro escalão de quem se esperava maior responsabilidade recorram a tabelas distorcidas para minimizar a tragédia brasileira
O trabalho liderado pela universidade gaúcha tem a imprescindível missão de dar uniformidade às informações sobre a expansão da covid-19 no país, definindo parâmetros confiáveis para os dados. O resultado trará a importante contribuição de permitir que médicos, cientistas e gestores conheçam melhor o comportamento do vírus no país, iluminando um pouco do caminho hoje trilhado no breu, em parte pela ausência de uma coordenação nacional devido ao comportamento negacionista do Planalto. Sorte do país que, apesar dos percalços, a equipe vai insistir até amanhã nas cidades onde foram encontradas resistências para executar o trabalho.
Números mais precisos também são importantes para desideologizar o debate e desmoralizar o uso de rankings distorcidos, apresentados principalmente por quem, em vez de aceitar a existência de uma grave emergência sanitária, enxerga na atual pandemia apenas uma nova arena para a disputa política. Com dados mais próximos da realidade, será possível cotejar o Brasil com outras nações e, aí sim, situar de maneira mais precisa e honesta o país ante seus pares.
É lamentável que até autoridades do primeiro escalão do governo federal, de quem se esperava maior responsabilidade, recorram a tabelas distorcidas para minimizar a tragédia brasileira, prestando-se a tentativas de manipulação e obscurantismo. Toma-se por exemplo um quadro que circula pelas redes sociais que tenta maquiar a situação nacional, utilizando o número de mortes por milhão de habitantes, comparando com alguns países selecionados, como Estados Unidos e nações europeias, e convenientemente esquecendo de confrontar com lugares com maior semelhança social ou demográfica, como Argentina, Índia, Indonésia, Colômbia e Filipinas, com taxas bem inferiores às do Brasil, que, aliás, está agora entre os locais com o maior número de novas mortes diárias. Torturar quadros e gráficos para que exprimam o que seria mais conveniente a uma estéril refrega política é um perverso efeito colateral do coronavírus no país.
O Brasil precisa de mais luz e menos obscurantismo também quando se trata de examinar estatísticas. Desfigurar informações de forma pouco honesta não salva vidas. Faz apenas o país e o presidente Jair Bolsonaro merecerem a inclusão na chamada Aliança da Avestruz, que junto com os líderes de Belarus, do Turcomenistão e da Nicarágua formam o quarteto que se nega a admitir a realidade.