A improvisada e inconveniente visita da comitiva comandada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) serviu ao menos para solidificar uma convicção desoladora para o Brasil: falta uma coordenação nacional tanto para um combate mais eficiente à pandemia do novo coronavírus quanto para conduzir o país em um plano responsável e gradual de saída do isolamento social e reabertura de atividades econômicas, o que deve ser feito de forma técnica e com o engajamento de toda a sociedade. A constatação de que há um vácuo de liderança partiu das colocações equilibradas e maduras do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que ao ouvir as lamúrias do governo e as preocupações dos empresários levados por Bolsonaro lembrou que um primeiro passo para uma nova etapa seria a existência de uma ordenação que unisse todos os entes federados.
O infortúnio é que, mantidas as posições atuais do Planalto, e nada indica que elas mudarão, o Brasil seguirá sem essa condução e sem um timoneiro
O infortúnio é que, mantidas as posições atuais do Planalto, e nada indica que elas mudarão, o Brasil seguirá sem essa condução e sem um timoneiro. Bolsonaro sequer é uma figura apagada na crise sanitária. É pior. Não por acaso, a prestigiada revista médica britânica The Lancet apontou o presidente como um desafio extra para o país na luta para controlar a covid-19. Além das raríssimas palavras de consolo para as vítimas fatais da doença, Bolsonaro disse ainda na quinta-feira que organizaria um churrasco para cerca de 30 pessoas no fim de semana. É uma total falta de empatia, no momento em que o Brasil chega a cerca de 10 mil mortos 10 mil mortos.
Diante da carência de uma liderança nacional em que os brasileiros confiem, o papel é desempenhado pela grande maioria de governadores e prefeitos, que tomaram as rédeas da situação e, com juízo, levam à frente uma organização mínima para debelar a pandemia. Um bom trabalho, mas que é sabotado diariamente pelo presidente, que estimula seus seguidores a desafiarem o isolamento e promove aglomerações, uma evidente facilitação à propagação do agente infeccioso.
Faz parte ainda deste cenário desanimador a figura do ministro da Saúde, Nelson Teich. A percepção predominante de quem participa de videoconferências com Teich, governadores ou secretários estaduais, é a de que ainda está tateando e é tutelado pelo Planalto, apesar de ao menos ter defendido a importância do isolamento social nos últimos dias. Parecendo perdido, o ministro ainda fala em começar a montar um plano para vencer a pandemia, como se a doença recém estivesse chegando ao Brasil e, por vezes, aparece como a voz do conformismo diante das evidentes dificuldades.
O Brasil precisaria construir e implementar urgentemente um planejamento robusto para sair da crise sanitária, econômica e social. Mas o negacionismo presidencial, o desdém e a ausência de um comando confiável em nível federal e sincronizado com os gestores subnacionais parecem encurralar o país em uma espécie de beco sem saída para a pandemia. Diante do conjunto vazio de ideias no poder central, é mais do que justificável, como fez o STF, assegurar autonomia para que Estados e municípios, com responsabilidade, disciplina e sentido de dever, encontrem junto com a sociedade os melhores caminhos e as saídas para suprir a disfuncionalidade federal.