Qualquer país no mundo precisa de estabilidade para crescer e proporcionar bem-estar aos seus cidadãos. Ser um construtor de pontes, saber serenar ânimos em períodos de exaltação e unir a nação em momentos decisivos da história, superando diferenças, são algumas das principais características dos melhores líderes. O presidente Jair Bolsonaro não demonstra pendor para nenhuma delas.
A postura de Bolsonaro é um obstáculo a mais para o Brasil superar a tríplice crise política, econômica e de saúde
Durante a sua carreira de 28 anos como deputado, o político que hoje ocupa a principal função pública do Brasil se notabilizou pelo estilo do confronto. Sua contribuição legislativa foi minúscula e, nas poucas vezes que recebia alguma atenção, era por suas declarações chocantes e bate-bocas em comissões, no plenário ou nos corredores do Congresso. O parlamentar folclórico, beneficiado por uma conjunção de fatores que talvez nunca se repita, acabou presidente de uma das maiores democracias do mundo e exatamente em um dos períodos mais dramáticos da trajetória nacional. Fiel ao seu currículo, em vez de ajudar, dificulta a urgente necessidade de união nacional para deter o inimigo invisível.
Um dos mais recentes capítulos desta enciclopédia de conflitos é a precoce fritura do ministro da Saúde, Nelson Teich. Por mais perdido que o titular da pasta pareça, chegou à esplanada para contribuir na batalha contra o coronavírus e, a despeito de certa tutela, tem feito colocações sensatas, como lembrar que a cloroquina, obsessão de Bolsonaro, não exibe eficácia comprovada e tem risco de efeitos colaterais. Foi o suficiente para o presidente desautorizá-lo e, surdo ao que mostram diversos estudos, insistir em defender o uso do medicamento. Além disso, todo o rumoroso caso sobre a divulgação de seus exames para detectar a covid-19 atesta sua aptidão para desperdiçar energia e erguer muralhas de desconfiança em torno de si.
Agora, de novo, Bolsonaro indica agir pela bússola de seus interesses pessoais ao editar uma medida provisória que livra de responsabilidade agentes públicos que venham a cometer erros ou a ser omissos nas ações destinadas a combater a pandemia. Soa como um ato que tenta salvar a própria pele pela vasta coleção de equívocos, descasos e comportamentos que afrontam as orientações de especialistas.
A postura de Bolsonaro é um obstáculo a mais para superar a tríplice crise política, econômica e de saúde. Ao chamar governadores de inimigos, estimula seus apoiadores a irem às ruas e a desprezar o necessário distanciamento social para conter o coronavírus. O número de mortes e a possibilidade de mais Estados e cidades terem de recorrer até a um lockdown mostram que o Brasil não vem tendo êxito em achatar a curva de casos e de vítimas fatais. O resultado será, possivelmente, uma demora maior para abrir a economia em grande parte do país, agravando a recessão.
O tensionamento permanente pode funcionar para atiçar seguidores nas redes sociais, mas cobra um preço alto, com perda de governabilidade, conflito entre poderes e paralisia. O Brasil tem necessidade de um condutor com discernimento de que o momento exige diálogo e convergência para enfrentar um adversário comum. O presidente, porém, opta por uma conduta que flerta com a corrosão da própria autoridade. Sua índole, infelizmente, é a do conflito, o oposto do que o país exige. Um raio de esperança surgiu no encontro de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na tarde de ontem. Mas é preciso que esse clima de distensão, ensaiado outras vezes e sempre frustrado, não se dissolva na próxima tentação do chefe da nação e de seus seguidores mais fanáticos em desferir novos ataques contra quem enxergam como inimigos.