É intrigante a postura do presidente Jair Bolsonaro ao resistir, de todas as formas, aos apelos para mostrar os seus testes de covid-19. Se os resultados foram negativos, bastaria exibir os laudos dos laboratórios e a polêmica se extinguiria. Ao se negar, no entanto, Bolsonaro apenas alimenta a suspeita de que se contaminou com o vírus, mas preferiu esconder. Se o presidente estiver omitindo a verdade, porém, a situação se torna mais grave, já que ficariam configurados crimes previstos no Código Penal, ao concorrer para a transmissão de germes patogênicos, uma vez que, infectado, participou de uma série de aglomerações e tocou em pessoas durante atos em seu apoio, assumindo o risco de espalhar a enfermidade.
Bolsonaro não deveria precisar de uma decisão judicial para revelar o resultado de teste, que é de interesse público pelo cargo que ocupa
Bolsonaro alega direito à intimidade para rechaçar a possibilidade de mostrar os exames. Mas esquece que não teve a mesma preocupação em outro episódio que envolveu a sua saúde. Após ser esfaqueado durante a campanha eleitoral de 2018, jamais pensou duas vezes antes de exibir o ferimento, a sua bolsa de colostomia e depois a cicatriz, o que está presente em vários registros fotográficos e em vídeos. O presidente, em outras oportunidades, sustentou que a sua palavra valia mais do que um pedaço de papel. O problema, sabe-se, é o histórico errático do presidente em vários temas atinentes à vida da nação. Em entrevista à Folha de S. Paulo, no final de março, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que era preciso confiar em Bolsonaro, mas alertou que se um dia aparecesse um exame positivo “seria o pior dos mundos”.
Escudeiro do presidente, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, testou positivo e mostrou o seu exame, sem qualquer receio. O mesmo fizeram outras autoridades, inclusive as que tiveram resultado negativo, como o governador de São Paulo, João Doria. Heleno foi uma das mais de 20 pessoas próximas a Bolsonaro que acabaram contaminadas pelo novo coronavírus em março, sendo que grande parte participou da missão aos EUA, onde teria ocorrido contaminação.
Bolsonaro nem sempre é peremptório ao afirmar que não contraiu a doença. Ainda em março, disse: “talvez eu tenha sido infectado lá atrás e nem fiquei sabendo”. Na quinta-feira, voltou a falar que “talvez tenha pegado esse vírus no passado”. Como a disseminação do novo coronavírus nos EUA e no Brasil ocorreu em 2020, este passado não seria tão distante.
O imbróglio tem ainda o capítulo da notícia de que Jair Bolsonaro teria testado positivo divulgada pela rede de TV norte-americana Fox News, depois desmentida. A fonte da informação, sustentou a emissora, era o deputado Eduardo Bolsonaro. O episódio, de qualquer forma, também ajuda a nutrir desconfianças quanto ao que foi verdadeiramente apurado pelo laboratório.
O presidente, agora, é pressionado pela Justiça para exibir o exame, após uma decisão favorável para o jornal O Estado de S. Paulo. Mas Bolsonaro não deveria precisar de uma decisão judicial para revelar o resultado de teste, que é de interesse público pelo cargo que ocupa. Apresentando por livre e espontânea vontade, mostraria claramente que não agiu de forma irresponsável, sujeitando cidadãos à contaminação em manifestações ou passeios e, principalmente, provaria que não mentiu.