A reaproximação do presidente Jair Bolsonaro de líderes do Centrão é mais uma evidência de que não bastam bravatas ou legiões de seguidores em redes sociais dispostas a comprar brigas pelo líder para transformar o modo de governar o Brasil. Bolsonaro, como seus antecessores, está negociando cargos com dirigentes de partidos do bloco com dois objetivos: isolar o agora adversário Rodrigo Maia, que tem trânsito razoável em todos os partidos, e garantir a própria sobrevivência desde que a palavra impeachment saiu dos armários de Brasília.
O caminho que Bolsonaro agora percorre abertamente já foi adotado por todos os seus antecessores, de José Sarney a Michel Temer
Conhecidos nomes do mensalão e da Operação Lava-Jato estão entre os interlocutores do presidente acuado por sucessivos erros e pelas investigações sobre familiares. Figuras que frequentavam tanto o noticiário de política quanto o policial estavam hibernando, à espera de serem chamados para socorrer um chefe de Estado em apuros. Naturalmente, como é prática, o apoio não vem a troco de nada. O balcão de negócios inclui autarquias e estatais apetitosas, como o Fundo Nacional de Saúde, o Banco do Nordeste do Brasil e o Departamento Nacional de Obras contra a Seca, entre outros órgãos que voltaram ao palco das barganhas.
Não deveria ser vergonha o presidente conversar com todos os entes políticos do país – aliás, seria recomendável a um chefe de Estado, sobretudo na emergência de saúde em que vivemos, procurar convergências em um amplo arco político, da esquerda à direita, para garantir um mínimo de governabilidade. No entanto, essa não é a prática de Bolsonaro, ele próprio um ex-deputado apagado e exótico, que se mimetizava em siglas inexpressivas, e nunca havia experimentado o primeiro plano da política.
O caminho que Bolsonaro agora percorre abertamente já foi adotado por todos os seus antecessores, de José Sarney a Michel Temer. Alguns conseguiram, momentanea-
mente, estabelecer um cordão sanitário mínimo para impedir ataques explícitos aos cofres públicos – outros se confundiram com o próprio Centrão e pagaram caro, na política e na Justiça, por isso. Sem a figura de Sergio Moro a lhe impor restrições éticas no Ministério da Justiça, Bolsonaro já deixou claro que não vê problema em ter à frente da Polícia Federal um amigo de seu filho, investigado pela própria PF.
Por essa régua moral, a volta ao ninho do poder de Roberto Jefferson, um especialista em ladear presidentes em apuros desde o amargo fim da presidência de Collor, não deve causar espanto. Ao país, machucado por sucessivos escândalos no primeiro escalão da República, cabe agora acender todos os alertas e acompanhar com lupa as movimentações do presidente e de seu entorno familiar, antes que, mais uma vez, se volte a assistir ao velho filme projetado pelo malfadado Centrão.