Em suas primeiras entrevistas coletivas após a posse na pasta da Saúde, o ministro Nelson Teich, se não tem o carisma e poder de comunicação de seu antecessor, ao menos apareceu como uma figura ponderada e sensata, sem demonstrar arroubos que possam antecipar um perigoso cavalo de pau na política de isolamento social no Brasil. Em um dos aspectos, no entanto – o da estatística –, o ministro caiu na tentação de edulcorar a situação brasileira. Para defender a tese de que o Brasil vive um cenário menos preocupante do que outros países, Teich comparou a taxa de mortes nacional com as de outras nações, como EUA, Itália, Espanha e França, levando em conta o número de casos por 100 mil habitantes.
Teich precisa usar os números de acordo com a realidade dos fatos
De fato, por esse ângulo, o Brasil ainda está distante de seus congêneres ao Norte, mas infelizmente essa é uma clara tortura nos números. Além das evidências de subnotificações de causa mortis, produzida pelos atrasos em testes, o Brasil vive uma fase retardada em relação àqueles países, uma vez que a doença chegou por aqui semanas depois. Se alguém, de outro lado, quisesse produzir uma comparação alarmante sobre a letalidade no Brasil, poderia confrontá-lo com países de demografia e condições sociais similares. Filipinas, Argentina, Paquistão, África do Sul, México, Indonésia e Nigéria, entre outros, apresentam taxas de morte por coronavírus muito inferiores à brasileira – sem que isso signifique algum conforto. São tempos diferentes desde a eclosão da pandemia, além, naturalmente, do grau de qualidade das informações e da eficácia das medidas de contenção.
Cabe agora a Teich distanciar-se das demais polêmicas que sacodem o Planalto e personificar as ações para debelar a covid-19 no Brasil sem precisar torcer números. Os apuros em que o presidente Jair Bolsonaro se meteu, agravados com as denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, não podem causar dificuldades adicionais em outras áreas, ainda mais na da saúde. É de Teich a responsabilidade de dar o tom do planejamento e do trabalho até ser possível iniciar uma transição mais segura para a reabertura da economia. Mas isso exige credibilidade e transparência absolutas. Não basta indicar o ponto de chegada. É preciso mostrar cada etapa do caminho, com linguagem compreensível para a população, e usando dados e comparações os mais confiáveis possíveis, ainda que tragam más notícias. A estratégia de Teich de elevar a testagem no Brasil, por exemplo, ainda carece de uma série de esclarecimentos sobre como será implementada.
Compreende-se que o novo ministro ainda precise se apropriar dos detalhes das ações em andamento e conhecer um pouco mais do funcionamento da máquina estatal. Mas tempo é um ativo de que o Brasil não dispõe neste momento e foi o próprio Bolsonaro quem decidiu assumir esse risco, trocando o pneu do carro com o veículo em percurso sinuoso. O aprendizado precisa ser acelerado.
Manter os brasileiros adequadamente informados é muito mais importante do que evitar eventuais saias justas, como na possibilidade de o ministro ser questionado sobre como avalia as aglomerações incensadas pelo presidente, contrariando todas as orientações da Organização Mundial da Saúde. Com Mandetta, apesar dos boicotes palacianos, havia a figura do líder do combate ao coronavírus. Para se firmar no cargo e arrebanhar a credibilidade de seu antecessor, Teich precisa usar os números de acordo com a realidade dos fatos – e não para agradar a seu novo chefe.