Em uma emergência, o maior patrimônio de uma nação é a sua capacidade de mobilização e superação, guiada por prioridades claras, foco e comunhão de esforços, sob inspiração de valores e princípios comuns. Infelizmente, por obra do chefe da nação, o Brasil que tenta desenhar prioridades e focar nas soluções para vencer a pandemia se vê constantemente sobressaltado por ações e palavras despropositadas por parte de quem deveria ser o primeiro a dar o exemplo e conduzir o país em uma já dificílima travessia humana e econômica.
A estratégia de Bolsonaro é de desviar as atenções e recuperar o protagonismo com a narrativa desvairada que o tornou conhecido na política
A inacreditável presença do chefe de Estado em uma manifestação a favor de intervenção militar guarda um simbolismo raro mesmo para um país calejado por surtos autoritários e atentados à Constituição. Não fosse o endosso pessoal do presidente, as manifestações do domingo teriam sido o que costumam ser: atos de grupelhos fanáticos à extrema esquerda ou extrema direita, aberrações facilmente digeridas pela democracia e pelas instituições. Ao discursar diante da sede do comando do Exército, porém, Bolsonaro atravessou duas linhas ao mesmo tempo: usurpou a imagem da corporação militar, que se empenha há décadas no profissionalismo e no apartidarismo, e se alinhou a quem quer pôr de lado o juramento que fez em sua posse: manter, defender e cumprir a Constituição.
Por inépcia, inabilidade, tibieza ou alheamento à realidade, o presidente fez uma opção preferencial pelo confronto no momento mais grave da história recente do país. Já nem se fala mais de Bolsonaro seguir em um palanque permanente. Num crescendo de radicalismo e distanciamento das instituições, o presidente vive hoje em uma República do Conflito, na qual identifica apenas asseclas cegos ou inimigos a serem destruídos. Ao serem avivadas as chamas do confronto, ainda mais em meio a uma pandemia, desperdiçam-se a energia e o tempo do qual tanto se necessita para combater o coronavírus.
É sabido que o presidente se deixa levar facilmente pelas teorias conspiratórias que grassam nas redes sociais, mas ao fertilizar a fazenda de paranoias que o abastece ele aprofunda ainda mais seu isolamento e realimenta a divisão do país em um momento em que todas as forças da nação deveriam se concentrar no embate contra o inimigo invisível. Para Bolsonaro, porém, o inimigo são outros: o Congresso, o STF, a ciência, a imprensa, os intelectuais, a cultura, os governadores e prefeitos que não comungam do raciocínio estreito do nós e eles que tanto mal já causou no passado.
No discurso aos defensores de uma intervenção militar no domingo, Bolsonaro falou em liberdade e democracia, o que equivale a prometer paz e tranquilidade em uma proclamação de guerra. As contradições, porém, não parecem inibir a verborragia presidencial, sempre à cata de novos oponentes para adubar seus seguidores mais fanáticos. Felizmente, o Brasil maduro e racional já se deu conta de que, em plena emergência de saúde nunca vista em todo o mundo, a estratégia de Bolsonaro é de desviar as atenções e recuperar o protagonismo com a narrativa desvairada que o tornou conhecido na política. A reação aos absurdos e o desprezo às sandices do presidente são a melhor resposta que a democracia pode e deve dar no momento.