Também quando o tema é o combate ao coronavírus, reina a desunião entre governo federal, Estados e municípios, criando-se um cenário que fragiliza o trabalho de proteção da população. As fraturas nas forças que deveriam estar coesas deixam o inimigo invisível mais forte e sorrateiro, porque se infiltra nas brechas da desarmonia entre poderes e esferas públicas.
Um sopro de esperança partiu das palavras do novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Em seu discurso de posse, na sexta-feira, ressaltou a intenção de trabalhar harmoniosamente com os demais entes federados. Não é preciso sonhar com uma convergência total entre as três esferas, mas é necessário um alinhamento mínimo, incluindo um discurso mais unificado, para que cada brasileiro compreenda a seriedade da situação e colabore efetivamente numa única direção. Sem rumo comum, a travessia para a superação da crise será ainda mais penosa e duradoura.
O Palácio do Planalto deveria ter estabelecido um diálogo permanente com governadores e prefeitos, mas não é o que se vê
A esta altura da pandemia, o Palácio do Planalto deveria ter estabelecido um diálogo permanente com governadores e prefeitos, mas não é o que se vê. Os desentendimentos acentuam os efeitos danosos do coronavírus, com os efeitos das medidas emergenciais amortecidos pelas visões desencontradas. A disputa política e ideológica que justificaria as rusgas precisa ser abandonada neste momento em que a prioridade é o bem comum da saúde dos brasileiros, aliada a uma planificação para, aos poucos e de forma segura, começar a liberar mais atividades econômicas, quando for possível.
Se avaliado unicamente pela racionalidade, o confronto entre o presidente e os governadores tende a produzir apenas perdedores em todos os lados, inclusive entre os brasileiros mais indefesos. Nessa luta entre mar e rochedo, os mariscos são os cidadãos comuns à mercê de uma pandemia que começa a ganhar mais evidência e velocidade no Brasil, sobretudo nas classes mais carentes. A tarefa de construir pontes certamente caberá a Teich, que terá de compensar a inabilidade e a natureza conflituosa de seu chefe.
Imitador contumaz do presidente norte-americano Donald Trump, Bolsonaro poderia, ao menos, prestar um pouco mais de atenção ao plano de abertura apresentado pelo seu modelo ao Norte. Apesar das bravatas recorrentes, Trump formulou uma estratégia robusta de reabertura do país. Baseado em dados e na ciência, o planejamento prevê um retorno gradual de atividades como comércio e serviços apenas nos pontos do país onde for realizada uma testagem maciça e o número de contágios se mostrar sustentadamente declinante. Não existe calendário rígido, mas condicionantes. Ou seja, nada será feito sob o sabor do momento e das pressões do círculo mais próximo, como volta e meia ameaça Bolsonaro. A decisão de quando o plano começará a ser colocada em prática, nos EUA, será dos governadores. Apesar das eventuais escaramuças com os Executivos estaduais, neste caso Trump rendeu-se à institucionalidade e escolheu o caminho da colaboração. É um bom exemplo para o Brasil.