O discurso do presidente Jair Bolsonaro em rede nacional na terça-feira à noite trouxe à luz a dimensão de sua desconexão com a realidade mundial e brasileira e expôs sua inépcia para lidar com uma crise muito maior do que sua trajetória pessoal e de político egresso do baixo clero. Ao se perfilar com alucinados negacionistas, Bolsonaro assumiu um lado assustador no combate à pandemia. A forma destrambelhada de Bolsonaro lidar com a crise ofusca até mesmo a discussão de alternativas que podem e precisam ser avaliadas à luz da razão e da experiência em outros países, como a do chamado confinamento vertical para pessoas acima de 60 anos ou que tenham comorbidades que as tornem mais vulneráveis ao coronavírus.
Quanto menos se prestar atenção em disparates que emanam da figura presidencial, mais energias serão liberadas e concentradas na salvação de vidas e da economia brasileiras
Na maior crise mundial da história recente, Bolsonaro não faz jus sequer a sua origem militar, que exigiria responsabilidade, senso de dever e desprendimento para enfrentar um "inimigo invisível, feroz e dedicado". A definição, aliás, é do atual ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que muito apropriadamente definiu o combate ao vírus como "uma guerra". No entanto, para o presidente e, portanto, comandante-em-chefe das Forças Armadas, o coronavírus é uma "gripezinha" que não abate quem, como ele, foi um atleta na juventude.
O desprezo de Bolsonaro às recomendações da ciência e das autoridades médicas, o que inclui o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não pode ser debitado a correntes da direita liberal que venceram as últimas eleições. A ignorância e a irresponsabilidade não têm ideologia, como demonstra o presidente do México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, que também rejeita políticas de isolamento e estimula os mexicanos a se abraçarem, em sequência a um de seus motes de campanha.
No caso do Planalto, o problema central também não são naturais divergências e correções de rota diante de uma circunstância nunca vista na história da humanidade. É, sim, a falta de liderança central personificada em alguém que inspire confiança e segurança, e conduza a nação na dura travessia de uma doença que produzirá ainda muitos sacrifícios humanos e sociais, além de imprevisíveis consequências econômicas. No vácuo de liderança, o melhor que Bolsonaro tem a fazer é se retirar para os bastidores de seu gabinete e não atrapalhar ainda mais aqueles ministros, governadores, prefeitos e líderes civis e militares que buscam, com tenacidade e dedicação, saídas e soluções para o Brasil neste momento.
Como gesto de patriotismo, o presidente deve delegar a quem desfruta de racionalidade, conhecimento e, sobretudo, equilíbrio emocional a condução do combate ao coronavírus. Que o presidente se dedique, sozinho em sua alienação, a suas fantasias e delírios, que incluem ataques à imprensa, à ciência, à medicina e a todos aqueles que não comunguem de suas teses erráticas e negacionistas.
A partir de agora, quanto menos se prestar atenção em disparates que emanam da figura presidencial, mais energias serão liberadas e concentradas na salvação de vidas e da economia brasileiras.