Por Martha Silva Beltrame, promotora e presidente da Associação do Ministério Público do RS (AMP/RS)
O Ministério Público existe para defender a sociedade, a democracia e a ordem jurídica. Para colocar em prática esta missão como titular da ação penal pública, possui estrutura organizacional e prerrogativas que viabilizam a atuação isenta desde a fase pré-processual até as instâncias recursais. Assim, quando cabível e justo, promove o arquivamento de expedientes policiais e se manifesta pela condenação ou absolvição de réus. Contudo, um projeto de lei, além de questionar a forma de atuação do Ministério Público, incita a inversão desse caráter institucional, fundamentando-se em uma suposta parcialidade.
Proposto pelo senador Antonio Anastasia, o PL n° 5.282, em tramitação na CCJ do Senado Federal, altera o art. 156 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) para estabelecer a obrigatoriedade de o Ministério Público buscar a verdade dos fatos também a favor do indiciado ou acusado, independentemente de tais fatos interessarem à acusação ou à defesa.
No cotidiano de promotores e procuradores de Justiça, esta atuação é basilar. Com a Constituição de 1988, o MP ratificou o compromisso de, além de zelar pela correta aplicação das leis, garantir o Estado democrático de direito.
O interesse principal de mais esse PL parece ser, na verdade, o cerceamento das atividades do MP. Na esteira de outros projetos já transformados em legislação, como a equivocada Lei de Abuso de Autoridade, tenta amordaçar e restringir a liberdade de promotores e procuradores de Justiça. Na justificativa, o próprio Anastasia registra que, na Itália, em 1991, depois da Operação Mãos Limpas, a Corte Constitucional entendeu que o MP é “obrigado a realizar investigações completas e buscar todos os elementos necessários para uma decisão justa, incluindo aqueles favoráveis ao acusado”. A versão brasileira, que tanto incomoda muitas autoridades, é a Lava-Jato. Tanto que Anastasia lista, entre as vantagens de sua alteração, as delações passarem a ser “feitas de forma mais transparente e igualmente republicana”.
A diligência dos promotores, não apenas em relação à Lava-Jato, provoca irritação e inconformismo em várias esferas de poder. Por lógica, o propósito do senador deve ter sido aperfeiçoar o sistema e por isso seria meritório. No entanto, parte de uma premissa equivocada e acabou estabelecendo falácia e confusão. Os promotores continuarão a fazer a correta gestão de provas simplesmente porque agem por princípio e não por uma estratégia contaminada.