Uma ofensiva do Ministério Público (MP-RS) contra fraude em licitações em municípios gaúchos resultou, em apenas dois anos, no afastamento de seis prefeitos. Secretários municipais, diretores de departamentos, assessores, vereadores e empresários também caíram na rede usada por promotores e procuradores engajados no combate à corrupção nas administrações locais. A mais recente operação foi feita durante a semana, em Viamão, com a suspensão do mandato pelo período de 180 dias de André Nunes Pacheco, por suspeita de irregularidades em contratos para prestação de serviços. Antes, em operações semelhantes, os promotores tiraram do cargo prefeitos de Santana do Livramento, Bagé, Braga, Alpestre e Montenegro. Há cinco anos na Procuradoria de Prefeitos, a procuradora de Justiça Ana Rita Schinetscki está à frente dessas investigações.
As autoridades estão mais vigilantes ou agora tem mais gente disposta a cometer irregularidades?
É difícil dizer se estão cometendo mais fraudes hoje do que antes da nossa gestão. Mas o que facilita muito é os prefeitos e detentores de cargos públicos acreditarem que não vão sofrer punições ou não vão ser investigados pelas irregularidades. À medida que essa crença vai aumentando, facilita que as irregularidades sejam cometidas. Por outro lado, a cada operação que a gente faz, como em Montenegro, que tem repercussão grande, acaba gerando efeito cascata. As pessoas da cidade acabam sendo estimuladas a fazerem denúncias.
Para ter uma ideia, qual é o volume de denúncias procedentes que vocês recebem na Procuradoria?
Muita coisa chega ao nosso conhecimento. E, na última década, tivemos um incremento na forma e nos meios de investigação. Inteligência, equipamento digital, software: tudo isso ajudou para que as investigações tivessem mais sucesso. Tenho que reconhecer também o respaldo da 4ª Câmara Criminal (do TJ-RS). Nós fazemos as investigações, fazemos os pedidos. Eles são muito conservadores, mas isso é muito bom porque, se as medidas cautelares são deferidas, é sinal de que existem indícios muito fortes. E a 4ª Câmara Criminal tem sido bem receptiva aos nossos pedidos.
Quais são as irregularidades mais comuns?
Só podemos investigar crimes cometidos por prefeitos em razão da função e no exercício do mandato. Antigamente, a gente denunciava acidente de trânsito que o prefeito tinha se envolvido, brigas domésticas ou qualquer outro delito. Agora, o foco é estritamente nos delitos cometidos no exercício e em razão do cargo ou da função. Isso delimitou (o foco) e fez com que os crimes que a gente mais investigue sejam os de responsabilidade, fraudes em licitação, direcionamento, inversão de ordem de pagamento, delitos típicos de agentes públicos.
O MP conseguiu identificar um padrão comum de ação, um modus operandi, nas prefeituras que fraudam licitações?
Acaba tendo sempre uma mesma forma. Há peculiaridades? Há, sim. Varia um pouco de município para município, as pessoas que estão envolvidas – às vezes envolve o primeiro escalão, às vezes envolve empresários –, mas o modus operandi é sempre o mesmo. Com relação às licitações, tem o direcionamento, os projetos que já nascem mal formados e acabam fazendo com que tenham aditivos ou que sejam anulados, gerando contrato emergencial, facilitando o favorecimento das pessoas envolvidas. Então, guarda semelhança entre si, com algumas diferenças.
Muita coisa chega ao nosso conhecimento. E, na última década, tivemos um incremento na forma e nos meios de investigação. Inteligência, equipamento digital, software: tudo isso ajudou para que as investigações tivessem mais sucesso.
ANA RITA SCHINETSCKI
Procuradora de Prefeitos
Não parece haver tantas irregularidades em contratos de obras. É na prestação de serviços que é mais fácil fraudar licitações?
Em Montenegro, teve vários casos de obras. Mas, realmente, na questão do lixo, da saúde, da educação, é que ocorrem mais (fraudes) porque são contratos que se renovam muito. E uma obra, no momento que terminou, se encerrou. E aí ao longo do tempo, ao longo do mandato, essas questões de prestação de serviço, acredito que por isso seja possível a existência que chama a atenção nessas operações, que ocorram mais (fraudes em contratos de serviços). E justamente porque são prestação de serviços, a coleta de lixo e limpeza urbana, por exemplo, falando especificamente nesse caso de Viamão e nos outros, são serviços que não podem deixar de ocorrer. Então, se tem algum problema, é feito um contrato emergencial, que pode ter irregularidades também. E por aí vai. Acredito que seja pela renovação e pelo volume dos serviços, mas existem muitas irregularidades em execução de obras também.
Para o bolso de quem vai esse dinheiro?
Normalmente pode ter um ganho político, um ganho financeiro pessoal, de terceiros, de apoiadores. Cada um tem sua particularidade.
A Procuradoria tem encontrado indícios de que as fraudes em licitações são uma forma de financiar campanhas eleitorais?
O crime eleitoral, quando tem alguma questão de fraude eleitoral, não é nossa atribuição, é da Procuradoria da República. Eventualmente, acontece de durante a nossa investigação se verificar que houve alguma irregularidade a nível eleitoral. (Nesse caso), encaminhamos para a Procuradoria da República para analisar. Tratamos só das questões envolvendo licitações, desvios, crimes de responsabilidade envolvendo verba estadual. Se envolve verba federal, é da Justiça Federal a atribuição.
Mas vocês já conseguiram identificar essa finalidade eleitoral em alguns investigações?
Sim, em alguns casos nós vemos que tem benefício eleitoral. Conforme a situação, temos que reencaminhar. Se há alguma suspeita de que exista irregularidade, nós reencaminhamos. Ficamos só com essa parte dos crimes de responsabilidade e de licitações, contrato, enfim.
É possível citar o caso de fraude à licitação que mais lhe chamou a atenção?
O que mais me toca são aquelas irregularidades quando se referem à educação, transporte escolar, quando colocam quilometragem a mais, ônibus em mau estado – porque isso envolve a segurança das crianças, dos estudantes que estão sendo transportados. Prejudica os municípios, que têm a parte urbana, mas têm uma parte rural, via de regra extensa, prejudica a ida à escola de uma criança que reside numa parte mais afastada. Isso é que me toca mais.
Esse ano é eleitoral. Tem algum impacto nas investigações? Chegam mais ou menos denúncias? É necessário correr para fazer investigações antes da eleição? Tem alguma mudança em torno do calendário de 2020?
Em ano eleitoral, aumenta o número de denúncias. Temos de ter todo um cuidado porque há as denúncias que são procedentes e que podem ensejar investigação, mas muitas vezes são denúncias desprovidas de maior consistência e somente para gerar um fato político que interfira na eleição municipal. Mas muitas são procedentes e geram a investigação. O que ocorre é que quando chegar em 2020, no final do ano, na diplomação dos nossos prefeitos, os que não foram reeleitos ou que já tinham sido reeleitos e não podem mais (concorrer), os prefeitos que não continuarem no cargo, nós temos que devolver as investigações para as comarcas de origem para que prossigam lá.
Quais são as sanções possíveis para o prefeito, além do afastamento? No caso de Viamão e de Santana do Livramento, ainda há a necessidade da conclusão do inquérito, com a denúncia dos investigados.
O afastamento não é uma sanção, é uma medida cautelar, a fim de assegurar que, considerando os indícios que temos, as irregularidades não continuem sendo cometidas e para que a investigação não seja embaraçada. Se determinadas pessoas continuam no cargo, podem desaparecer documentos, elas podem exercer influência contra testemunhas, que muitas vezes são funcionários da prefeitura. O afastamento é uma medida cautelar, por 180 dias, que pode ser prorrogada. Ao final desse período, temos de ter uma denúncia já pronta, tentar instaurar o processo, levar adiante judicialmente o processo. No final, caso recebida a denúncia e caso condenados, tem as sanções. Dependendo do delito que foi cometido, há as sanções previstas em lei. Pode ter uma pena privativa de liberdade, pode ter uma pena alternativa.