Por Dom Ricardo Hoepers, bispo de Rio Grande/RS, diretor do Instituto Superior de Formação Humanística da UCPel e presidente da Comissão Especial de Bioética da CNBB
Falar da morte é falar da vida. Falar da vida é falar da morte. E, mesmo além de preceitos religiosos, o mistério da nossa finitude excede qualquer especulação.
Na minha fé católica, irei neste dia 2 ao cemitério para minha oração cristã pelos fiéis defuntos, termo que vem do latim de-functus, aquele que realizou, levou a termo, cumpriu sua vida.
O gesto de visitar os túmulos reforça laços, rememora a história e nos eleva aos sentimentos mais sublimes de esperança e fé. No entanto, não é tão simples falar da morte ultimamente. Morto, defunto, cadáver, sepultamento e outros muitos termos tornaram-se
tabus. O morrer entrou nos extremos, nas polarizações, e só é tratado como fantasia, nos filmes de terror. Precisamos reaprender a nos defrontarmos com nossa finitude, não como inimiga, mas como processo vital que define quem somos. Nem sequer damos tempo para o luto. De tão ocupados que estamos, a doença e a morte chegam para atrapalhar a nossa agenda.
Na semana passada, no nosso Observatório de Bioética da CNBB no Rio Grande do Sul, que reúne especialistas das Instituições de Ensino Superior e da área da saúde com o foco no início da vida, final da vida e políticas públicas, discutiu-se o tema dos cuidados paliativos com a assessoria de especialistas. Ao falarmos sobre o fim da vida, precisamos considerar nossa cultura narcisista, materialista, secularizada, que desviou o sentido da vida negando o seu processo último. Essa mesma cultura, agora, impõe uma faceta desvirtuada da morte que é tanocrática e tabuística. Tanocrática porque a morte se tornou sinônimo de ordem de descarte e extermínio. Os mais fracos e vulneráveis se tornaram vítimas quotidianas dessa sociedade armada, violenta e injusta que se acostumou com a eliminação social. Tabuística porque ela é símbolo da fraqueza e aniquilação do próprio homem, que se vê ameaçado e não aceita seu limite e finitude, tornando o morrer seu maior inimigo, do qual não ousa nem falar.
Ao negarmos a morte, comprometemos nossa maneira de enfrentar o último instante da vida, perdendo a dimensão humana e espiritual dessa experiência, delegando cada vez mais à tecnologia o controle e a programação do nosso processo de morrer.