Por Ricardo Hingel, economista, consultor e conselheiro de empresas
O que diferenciou o ser humano das outras espécies foi sem dúvida a consciência que adquiriu, talvez por uma dádiva divina e inexplicável. Desde que passou a existir, tentou se organizar com princípios básicos e universais e na base do bom senso. Ao observarmos o estágio em que nosso mundo se encontra, verificamos que ainda estamos atrasados.
Comecei a ler há poucos dias o primeiro volume do livro Escravidão, de Laurentino Gomes. Seu início é estarrecedor e, embora focado no Brasil, lembra que a escravidão é um hábito milenar e que acompanha a organização da civilização desde seus primórdios: recorda que, infelizmente, o desenvolvimento brasileiro e de sua economia se deu principalmente com base na abjeta escravidão, prática que nos acompanhou do Brasil Colônia até o Brasil Império, o que causou milhões de mortes e condições de vida deploráveis para outros tantos milhões. Nossos colonizadores portugueses fizeram da mão de obra escrava a base para a exploração da colônia, sustentando dessa forma todos os ciclos econômicos que se sucederam. Beneficiaram-se reis, comerciantes, produtores rurais e até ordens religiosas que trataram a questão de forma banal e visando aos seus próprios interesses. Grandes patrimônios se construíram a partir da mão de obra escrava.
Mundos organizados devem respeitar a vida, a liberdade, a propriedade e a igualdade, construindo arcabouços legais que assegurem a convivência adequada. Nosso planeta ainda não alcançou esse estágio e parece distante de um ponto ideal, ainda muito longe no tempo.
O secular tráfico internacional de escravos se constituiu na barbárie em seu estado bruto.
Ao nascer, todos têm direitos básicos, como a liberdade, o tempo e a propriedade, mas não o de possuir ou explorar seres humanos. O Brasil passou por quatro séculos de escravidão e muito pelo tamanho e representatividade que esta teve deixou sequelas ainda irreparáveis. O fato de o Brasil ter hoje a segunda maior população negra do mundo dá a noção da extensão do processo escravagista brasileiro.
Em termos históricos, a escravidão, que no Brasil é ainda recente, persiste em diversos lugares do mundo, onde o tráfico de pessoas é um "negócio". Olhamos hoje para o mundo tecnológico em construção, porém vemos guerras nas mais diversas partes do globo e a banalização da violência urbana custando vidas que se tornam apenas detalhes. O avanço civilizatório não acompanha um mundo mais moderno.
Vidas são únicas e não são banais.