Por Ricardo Hingel, economista, consultor e conselheiro de empresas
A provável derrubada da possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância pelo STF deve reforçar a sensação de impunidade que caracteriza nosso país.
A pouca clareza e objetividade das leis brasileiras permite vazios que remetem a interpretações, muitas vezes subjetivas, do que não está explícito. Em qualquer país civilizado e democrático, como no caso brasileiro, quem legisla é... o Legislativo! Os vácuos conferidos por nossas leis oportunizam inúmeras brechas por onde fluem as mais diversas teses que buscam a defesa de interesses pessoais e que, muitas vezes, acabam se tornando veículos para a criação de decisões, súmulas e um conjunto de jurisprudências que se somam às leis aprovados pelo Poder Legislativo. É o chamado ativismo do Judiciário que invade competências que não lhe são conferidas constitucionalmente.
Mais, oportunizam que cortes superiores se pronunciem em julgamentos que têm presumidamente bases técnicas, mas na prática são carregados nas tintas em visões ideológicas, de mundo, de sociedade e, por que não, partidária de seus integrantes. Acabam refletindo a expressão de posições pessoais dos julgadores, que por vezes colidem com o senso comum da sociedade. A polêmica das interpretações oportuniza um protagonismo cenográfico especialmente aos membros do STF que se transformam em celebridades, que muitas vezes legislam e invadem as prerrogativas do Congresso Nacional, ao qual cabem nossas leis.
O fim do cumprimento da prisão após a condenação em segunda instância vai introduzir a presunção de incompetência dos primeiro e segundo graus. As carreiras jurídicas no Brasil estão entre aquelas mais bem remuneradas e seguras do serviço público, o que faz com que parte significativa dos advogados brasileiros por ela se interessem. Como seu provimento se dá por concurso, acabam contando com pessoas muito bem preparadas e que ainda vão se qualificando ao longo do tempo.
Se errar é humano, e juízes também erram, oferece-se a todos a possibilidade de recurso, com o julgamento em segundo grau. Essa possibilidade permite que eventuais erros de julgamentos de juízes de primeira instância sejam revisados em um grau superior, o que viabiliza corrigir eventuais equívocos. Jogar a decisão de prisão para instâncias como o STF é, sim, uma presunção de incompetência das Justiças de primeiro e segundo graus e a procrastinação dos processos se consolidará.