Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Na década de 1980, uma clássica propaganda dos biscoitos Tostines ficou famosa. Tratava-se do "mistério Tostines": vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais? É uma interessante retórica da causalidade, ou seja, um questionamento quase filosófico sobre a ordem das coisas.
Em economia, causalidade é um dilema que raramente consegue ser respondido com alguma certeza. Um dos exemplos disso é a disputa teórica sobre a chamada Lei de Say, proposta por Jean-Baptiste Say no início do século 19. Segundo ele, a oferta criaria sua própria demanda. Quer dizer, a produção precede a demanda na dinâmica de uma economia. Os recursos inicialmente gerados na produção seriam destinados ao consumo dos produtos e qualquer sobra de renda seria reinvestida no setor produtivo.
Mais de um século depois, John Maynard Keynes questionava essa lei através da incorporação de outras variáveis, como a função da moeda. Segundo Keynes, a Lei de Say não se sustentaria em um cenário onde nem todo recurso é reaplicado no sistema produtivo e onde a moeda, além de meio de troca, também funciona como reserva de valor. Assim, o sistema não se autorregularia plenamente, carecendo de intervenções estatais, especialmente na demanda, para que funcione bem.
Duas visões contraditórias, portanto, que permeiam boa parte das discussões dos economistas sobre política econômica. Discutir causalidade é central para que se possa agir! No momento que se assume determinada direção entre causa e efeito, obtém-se uma prescrição de plano de ação. E isso vale tanto para a economia agregada quanto para mercados específicos.
Nesta semana, a Uber anunciou uma nova modalidade de transporte: a silenciosa. O cidadão poderá solicitar, pagando uma taxa adicional, um motorista que não converse com ele. Pergunto, então: essa modalidade é uma demanda da sociedade ou uma oferta inesperada que buscará gerar seu próprio mercado? Está mais para Keynes ou mais para Say?
Qualquer das opções é triste. Até a combinação delas – que é o mais provável – é agonizantemente triste. Como é possível termos chegado ao ponto de nos dispormos a pagar para sermos antissociais? Ou, de outro lado, que tipo de mercado é esse que se propõe a gerar uma demanda por serviços antissociais como se fosse uma fruta? É urgente pensar sobre essas perguntas para podermos agir. Ou seguimos adiante em silêncio (e sozinhos)?