Por Dom Jaime Spengler, arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre
A agressividade daquele adolescente na cidade de Charqueadas, quando entrou em uma escola armado, disposto a agredir um desafeto, nos faz refletir sobre as razões de tamanha violência e as consequências de tal ato.
Já nos disse Nietzsche que "o ser humano é um animal ainda não estabilizado". De fato, pulsões e instintos exigem um alto grau de liberdade. A liberdade não é algo que cai do céu e muito menos é uma prerrogativa da vontade. À diferença dos animais irracionais, o ser humano goza da possibilidade de construir e conduzir sua própria vida, sem que o código biológico determine positivamente ações.
Comportamentos humanos são imprevisíveis, pois não são sustentados por princípios meramente lógicos.
Existem aspectos do humano que ultrapassam possibilidades de previsão e controle. Além disso há também padrões éticos, cuja função é reduzir os espaços de conflitos e garantir a paz, orientando o desenvolvimento da civilização.
Nas sociedades democráticas, cada cidadão cedeu algo de sua liberdade ao Estado, o qual tem a tarefa de fixar para cada um de seus cidadãos os limites ao exercício da própria liberdade. Surge, porém, um desafio para o convívio social quando o Estado não é capaz de reconhecer sua identidade originária e nem oferecer a cada um as condições para viver dignamente: educação, trabalho, lazer, convívio familiar, cultura.
O caso de Charqueadas é expressão de grave desequilíbrio, pessoal e social. É também verdadeiro que mesmo numa sociedade considerada perfeita, não haveria segurança de que semelhante ato jamais aconteceria, pois o ser humano é naturalmente marcado por fragilidade e contradições.
Entretanto, podemos nos perguntar: quando o Brasil se encontra em segundo lugar do mundo com a maior desigualdade entre os países democráticos, quando padrões éticos são subvalorizados, o sistema escolar é visto como meramente informativo, a instituição familiar é ameaçada e a educação terceirizada, o que se pode esperar?