Por Thedy Corrêa, músico e palestrante
A liberdade artística sempre rendeu debates acalorados, não apenas por seus supostos limites mas também por seu resultado estético. Ou seja, o gosto que se discute. Todas as artes estão sujeitas a esse julgamento. A música popular é submetida a ele através da aceitação nas paradas de sucesso. Poderíamos aludir ao fato de que muitos "hits" alcançam esse status apenas depois de investimentos pesados, mas essa é outra discussão.
A versão de Paula Fernandes e Luan Santana para o sucesso americano "Shallow" não foi submetida a debate: foi imediatamente ridicularizada na internet através de memes implacáveis.
Mas qual teria sido seu pecado? Na minha opinião, foi ter se proposto a fazer uma versão em português para um letra em inglês que, justo no refrão, abriu mão dessa ideia, assumindo o idioma original e deixando sem sentido o restante do verso. Ao invés da guilhotina, a polêmica catapultou a versão para o topo das paradas. Nenhuma surpresa, afinal, a música brasileira não tem se caracterizado por trabalhos poéticos muito elaborados - ao contrário de outros tempos, onde poetas geniais escreviam letras memoráveis.
Vivemos o tempo da canção de amor que estaciona na superfície, sem camadas mais profundas. O tempo onde arranjos e composições se replicam como se seguissem receitas de bolo. Batidas iguais, melodias recicladas e versos que parecem apenas ter alterado a ordem dos fatores, o que em nada altera o produto. Ao que parece a, culpa é da própria língua portuguesa, que, segundo Paula Fernandes, não seria muito melódica. Então nada nos resta além de aceitar suas "limitações" e dar como perdida a batalha das versões. Quando o Nenhum de Nós foi desafiado a fazer uma versão em português para Starman, de David Bowie, optamos por uma licença poética no refrão que contrariava a gramática. Fomos massacrados por isso! Hoje essa crítica parece ainda mais sem sentido do que à época. Nunca imaginaríamos que um dia estaríamos todos juntos e Shallow Now em defesa de uma língua sem melodia ou inspiração. #sóquenão