Por Bruno Lima Rocha, cientista político, professor da Unisinos
Em março de 2015, no segundo mandato de Barack Obama, Washington classificou a Venezuela como uma "ameaça à segurança nacional" da superpotência. As sanções contra o chavismo se iniciaram ainda na era do republicano Bush Jr, e as medidas foram se radicalizando. Nicolás Maduro foi eleito vice-presidente em outubro de 2012 e após o falecimento de Chávez, em março de 2013, novamente concorreu em abril, saindo-se vitorioso por pequena margem. Desde então, o país vive em crise de abastecimento, cujas causas quase sempre são pouco ou nada explicadas.
Como todo produtor de petróleo, sendo basicamente esta sua única commodity de exportação, a Venezuela depende da oscilação destes preços, e especialmente, dos ataques especulativos sobre o índice do barril Brent. É verdade que há escassez de alimentos e isso também se deve à incapacidade do setor primário venezuelano, mas a crise de abastecimento decorre de dois fatores. Um é a fuga de capitais e o outro é o avanço do bloqueio. No governo Trump, primeiro congelaram contas externas e a medida mais recente simplesmente bloqueou ativos da ordem de mais de US$ 1 bilhão. Assim, a "ajuda humanitária" implica em 10% do que foi tomado à força de um país soberano.
O Brasil, como país com peso e capacidade de liderança no subcontinente, jamais deveria alimentar a projeção de poder dos EUA sobre nações latino-americanas. Menos mal que a aventura militarista foi refutada pelo Grupo de Lima, mas a própria existência deste fórum, à revelia do Mercosul, Unasul e Celac – nesta ordem progressiva de grandeza – já explicita a perda de autonomia diante da Casa Branca.
Se há uma preocupação legítima com os direitos humanos e a democracia, esta deveria ser manifestada também na reeleição de Juan Orlando Hernández (novembro de 2017), em Honduras, reinterpretando ao bel prazer a Constituição do país. O caso da Nicarágua, onde infelizmente o controle do clã Ortega subordina a população, também é grave. Mas, como é sabido, nenhum destes dois países tem o peso geopolítico da Venezuela, e tampouco tem petróleo. A defesa da democracia na América Latina deveria caminhar lado a lado com o princípio da soberania nacional e a condenação veemente de todo bloqueio econômico ou congelamento de contas e ativos.
Não há como afirmar o compromisso democrático de Maduro (PSUV), embora a base do governo seja formada por mais de cinco partidos e dezenas de coletivos. Já a oposição, agora representada por Juan Guaidó, antes por Henri Falcón (derrotado nas urnas em 2018) e Henrique Capriles (perdendo pleitos presidenciais para o chavismo em 2012 e 2013), sempre flertou com a intervenção estrangeira, por vezes pedindo uma agressão militar.
Neste sentido, qualquer adesão incondicional às posturas imperialistas da Casa Branca implica uma perda de autonomia na política externa. Havendo preocupação legítima com o bem-estar do povo venezuelano, o primeiro passo é condenar o bloqueio e assegurar a soberania nacional da Venezuela.