Por Debora Albu, Pesquisadora na área de democracia e tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS)
Até o Cabo Daciolo já se rendeu ao smartphone. Ou quase. Tecnologia e política são tão indissociáveis, que não apenas o próprio ato de votar é permeado por máquinas, por exemplo, mas também qualquer decisão parlamentar, como no caso da implementação de sistemas digitais para acompanhamento do processo legislativo até nas Câmaras Municipais das menores cidades do Brasil. Os efeitos dessa junção entre tecnologia e representação parlamentar são poderosos, mas, assim como os tempos polarizantes, também são dicotômicos.
Cada vez mais, vamos ver o político influencer. O uso das mídias sociais para se relacionar com eleitores já é prática comum, mas a pessoalização dessas narrativas digitais ganha força com o uso de ferramentas como vídeos ao vivo, uso do formato de "histórias" (os stories) e mesmo a comemoração pelo alcance de mais seguidores. Alexandria Ocasio-Cortez, a mais jovem representante democrata eleita nos EUA e dona de uma presença digital considerável, organizou até uma aula para seus colegas congressistas sobre o assunto. Essa desmistificação do cotidiano dos políticos aproxima imediatamente e é fundamental quando o modus operandi coletivo passou a ser "minha verdade é melhor que a sua".
Essa aproximação também trouxe uma busca por mais transparência dos mandatos. Por um lado, vemos uma multiplicação de plataformas para o acompanhamento e prestação de contas das atividades parlamentares, sejam elas iniciativas dos próprios parlamentares (como o aplicativo Meu Vereador), do setor privado oferecendo soluções para os políticos (como o Mandato Aberto), do terceiro setor (vide o app Poder do Voto) e até mesmo do próprio governo (como o Mescuta, novíssima iniciativa do LabHacker da Câmara dos Deputados). Por outro lado, os próprios perfis dos representantes se tornaram grandes painéis de recados, onde os eleitores deixam suas mais sinceras reclamações e cobranças (e memes), pedindo explicações diretas em casos de investigações por corrupção.
Mas tem sempre um porém: a disseminação de notícias falsas, inchada pelo uso coordenado de robôs e perfis falsos nas mídias sociais, gerou evidente manipulação do debate público. Não faltam relatórios e pesquisas para comprovar. Da manipulação para o discurso de ódio, foi apenas um passo. É o caso do afastamento do deputado federal eleito Jean Wyllys, que anunciou a desistência de seu mandato após inúmeras ameaças de morte e contra a integridade de sua família motivadas por notícias falsas e, muitas vezes, conspiratórias.
É preciso resgatar o senso de utopia que a tecnologia já trouxe nos 1990, norteada por uma visão crítica das suas possibilidades, entendendo que não é possível dissociar governo — e mesmo democracia — dessas ferramentas e desse espaço. Aos parlamentares caberá se atualizar; à população caberá se educar de forma crítica. À tecnologia talvez caberá voltar às origens.