Por Ibsen Pinheiro, jornalista
O Brasil mudou? Começo pela resposta: é cedo para dizer. Sei com certeza que o Brasil quis mudar. Não necessariamente pelos 57 milhões de votos de Bolsonaro, porque desconfio que parte (minoritária) deles queria mais do mesmo com comando correligionário, assim como desconfio que boa parte dos 47 milhões de votos de Haddad não queria o que aparentava, o continuísmo, mas reagia ao extremismo direitista que resultava da própria radicalização.
Enfim, o eleitor mudancista foi majoritário na rejeição aos modelos "moderados" que pouco distinguiram, cá pra nós, os oito anos de Fernando Henrique dos 14 do lulismo, ambos buscando o centro para demonstrar que não eram nem reacionários nem revolucionários. Eram "moderados" cuja bandeira se traduziu num deixa como está.
(É bom registrar, entre parênteses, que esse talvez fosse o único caminho para sepultar os resquícios do regime militar).
O que falta para mudar? É simples: cumprir a vontade do povo brasileiro. Simples de dizer, dificílimo de praticar, por uma singela razão: o povo brasileiro vota e sai de cena. Seu protagonismo eleitoral é substituído no dia a dia político, administrativo e midiático pelos que têm vez e voz, porta-voz e porta-bandeira, isto é, as minorias organizadas.
Nada contra as minorias, tão essenciais à democracia quanto a maioria, mas tudo contra o protagonismo que elas exercem, do Legislativo ao Executivo passando pelos poderes inominados que controlam . Querem um exemplo? A reforma da Previdência interessa a todos os brasileiros, mas desses, boa parte tira proveito das distorções do atual modelo, e, naturalmente, não quer a mudanças que verbalmente apoia.
Quando vejo a nova composição da Câmara dos Deputados com 50% de novatos, rejeito a renovação festejada para defini-la como simples substituição, isto é, mais do mesmo, a mesma composição majoritária de honradez e espírito público, mas também a mesma incapacidade deliberativa determinada pelas bancadas informais que se consideram mais legítimas do que as partidárias. E são, como produto desse sistema político-eleitoral que as engendra, cuja mudança, como dizia Nelson Carneiro nas décadas de sua luta pelo divórcio, todos apoiam, mas a maioria é contra. Ou a minoria.