Tem vezes que você nem lembra ao acordar, mas sonha com o que a natureza tem de mais espetacular nesta vasta região austral entre o Atlântico e o Pacífico. É sempre um sonho definitivo, pois ajuda a entender o que teria levado portugueses e espanhóis a desafiarem a morte, em tempos remotos, por estas terras longínquas. O Chile foi abençoado com algumas das maiores belezas naturais do planeta, mas o Rio Grande do Sul também tem as suas, e são incomparáveis.
No sonho, é como se você fosse uma ave migratória. E precisa escolher justamente o que há de mais belo na nossa natureza. Seria algo lúdico, mas vira pesadelo. Como optar entre obras grandiosas que o sol, o vento e as águas, incluindo as roladas pelas chuvas e lágrimas, levaram milhões de anos para executar, deixando-as como estavam há um segundo?
O certo seria se decidir logo por esse verdadeiro oceano interno que é a Lagoa dos Patos, a maior de todas. Mas tudo passa rápido, como o vento. Você já está agora no topo do Morro da Borússia. Bastaria um movimento mínimo para tocar o céu. E quase desperta com a força das ondas além da planície, nessa reta infinita de oceano entre as falésias de Torres e o Chuí. Mas não dá tempo.
Agora é a serra que se esparrama a Oeste, com suas vertentes, cachoeiras e araucárias. Tem algo mais alucinante do que a gralha-azul voando sobre os cânions, sobre seus abismos fundos como os da alma?
E aí, do nada, surge uma planície sem fim, como a produção de seu sacerdote da poesia, Luiz de Miranda, para quem o que nos segura "nestes caminhos da Pampa/ é um jeito largo de amar/ as distâncias e o caminhar". É o andar sem fim, como se os pés fossem asas em direção a horizontes para sempre inalcançáveis.
O melhor mesmo seria abreviar a jornada. Mas não esqueça: você mantém a visão de humano e sonha que é um pássaro, que também sonha. E o que já está diante dos olhos, nessa dimensão sem tempo, nem espaço, é o Guaíba. É o delta do Jacuí com seus rios e ilhas tão maltratados. E o olhar se volta de novo para o Leste, para o Taim ao Sul e suas capivaras ao sol, para lagoas gigantes e açudes transbordando peixes, tomados por biguás, como você, que quer e não quer acordar, que se debate entre o sono e a vigília.
São tantas as belezas naturais do Rio Grande do Sul, que é difícil escolher apenas uma, quase impossível. Só que você já tomou a sua decisão. Tenta gritar qual é, mas a garganta se cala sob o quebrar das ondas, como nos pesadelos. Tenta imaginar se a sua opção seria a mesma de quem tiver a rara paciência de ler este texto até o fim, de um jeito tão gentil, que é difícil agradecer – ainda assim, gratidão. Sente que a beleza ofusca até mesmo olhos fechados, como um raio seco.
Você ainda hesita, mas acorda num arfar, como se tivesse ouvido um trovão dentro do peito, antes de mergulhar no vazio. Por um instante, chega a duvidar se ainda dorme, se é pessoa ou ave. E, aí, se confunde, esquece tudo, inclusive o sonho.