Impossível passar por Sydney, muito procurada nessa época por familiares de quem mora na Austrália, e não perceber os pássaros. As aves, mais estranhas e espalhafatosas do que as nossas, estão por toda parte. De manhã cedo, já tem umas cruzando os céus em bando, às gargalhadas. Algumas chegam a tontear quem as olha, de tanta cor. Outras são pré-históricas. Todas compartilham com moradores e turistas as mesas de cafés que se espalham ao ar livre pela cidade.
Se Porto Alegre está longe, mas numa posição geográfica semelhante, por que seus pássaros são menos coloridos, menos visíveis, mais tímidos e mais comportados? Não deve ser apenas por não se localizar numa ilha-continente, nem às margens do Pacífico, mas do Atlântico.
O pássaro que ri como os humanos tem o mesmo nome nome de um prato à base de frango, vendido no Brasil e pelo mundo num restaurante inspirado no jeito Oz de ser. Curioso, pois o que a Austrália ainda consegue manter de autêntico é a exuberância de sua natureza, do mar selvagem, de animais nem sempre tão fofos como coalas e cangurus. E mais as aves – todas com o jeito de quem tenta nos dizer algo, mas o que?
O restante de Sydney, pelo que se percebe assim só de olhar, de leve, é investimento estrangeiro, principalmente chinês. O que mais se vê nas lojas sofisticadas são mulheres orientais com bolsinhas minúsculas e o nome da grife em letras gigantes. Voejam como bonecas em seus vestidos de renda, misteriosas como aves migratórias.
Seria muita viagem imaginar as mesas de bares e cafés ao ar livre de Porto Alegre tomadas por pássaros? Na Padre Chagas, por exemplo. No Mercado Público. Na orla. Não apenas papagaios com todas as cores do arco-íris e outras mais. Também esses que, na Austrália, fazem lembrar maçaricos e marrecas piadeiras, vistos pelos gaúchos apenas em banhados. Talvez uns urubus brancos que, em Sydney, não poupam nem merenda de criança na escola. E ninguém podendo fazer nada.
O historiador Yuval Noah Harari, no livro Sapiens, cita a ilha como palco da primeira grande tragédia ecológica da humanidade. Foi depois de alcançar esse país-continente que o Homo sapiens se tornou a espécie mais mortífera da Terra. Então chegaram os ingleses e os próprios aborígenes foram dizimados. Hoje, todos são cultuados, incluindo as aves.
Difícil saber exatamente como, pois as distâncias seguem parecendo intermináveis, mas os Sapiens chegaram até o pampa. Foi o início da devastação de nossos animais pré-históricos. Depois vieram os ibéricos, e onde estão mesmo as pacas?
Não conseguimos, como a Austrália, transformar terra arrasada em civilização a serviço de todos, indistintamente. Poderíamos, pelo menos, ter respeitado as pessoas e o meio do qual fazem parte. Talvez estivéssemos vivendo hoje em maior harmonia, com mais bem-estar e reverência a nós mesmos, ao outro e ao que nos cerca.
As aves tentam nos dizer algo transcendental. As aves nos alertam sobre o que fazemos com Marianas e Brumadinhos, mas não as escutamos. Quando vamos conseguir entender o que os pássaros têm a nos revelar?