Não temos mais dúvida de que Porto Alegre deixou de ser um porto de verdade há muito tempo. Que pena, mas deixou. Fazer o quê? Agora, diga você, do fundo daquilo que parece ser o mais fundo de seu ser: continua alegre?
Pensamos nisso quando miramos da orla o esplendor dessa espécie de mar doce com suas águas barrentas do qual há quase três séculos emergiram os tais casais açorianos. Seria coisa breve, mas... duas décadas depois, ainda aguardavam pela documentação de terras para prosseguir até as Missões.
Diante da imensidão de águas, colinas, matas nativas, ilhas, pássaros e esses céus – que céus –, o que mais poderiam ter feito os ilhéus portugueses? Foram povoando o lugarejo com seus filhos. Nascemos, assim, do descaso e da enganação, mas acharam o porto alegre. E é. Continua sendo. Não porto. Não mais. Mas alegre.
Então, mano, não tem que ficar na tristeza.
Porto-alegrenses, entre os quais os desgarrados para os quais "o que vale é o sonho", com a eterna gratidão a Mário Barbará, os que apenas estão de visita, todos vocês: tem muita coisa alegre nessa "Cidadezinha... Tão pequenina/ Que toda cabe num só olhar", como a pintou em palavras Mario Quintana. E vai além da música, da poesia. Tem muita, mas tanta coisa, que faltaria espaço na chaminé do Gasômetro, num caderno de páginas incontáveis, numa folha dobrada infinitas vezes em direção às estrelas para enumerá-las.
Por trás do abandono, a alegria transborda entre os que vendem com entusiasmo o seu peixe e a eterna bomba gigante de sorvete no Mercado Público, síntese e alma da província. A sensação de júbilo se movimenta no pedal dos ciclistas, ocupando todos os espaços. Está também nesses grupos que penduram uma caixa de som no poste e assam churrasco na calçada, está no flow das ruas das batalhas de MCs que levam as torcidas ao êxtase, está nos saraus com champanhe, naquela surpresa com a qual recebemos abraço grátis, nos barcos e ônibus lotados de turistas, nas limusines de festa-ostentação, nuns bairros em que as pessoas ganham pouco e custam a chegar. Ainda assim, fazem pagode, tomam cerveja, fazem planos, tomam porrada. E, no outro dia, despertam com os mesmos pássaros das áreas ditas nobres, que brindam democraticamente a todos com seu canto.
Porto Alegre já foi chamada de tudo que é jeito, como esses pontos de comércio nos quais nada dá certo. Não é por inércia que continuamos nos referindo à cidade com esse nome. Seguimos vendo-a como um imenso cais. Nela, ancoramos nossa esperança por bons dias.
Temos motivos aos montes, como os que nos cercam, tão lindos, para considerarmos feliz a nossa Porto Alegre. E os reforçamos ao repetir os dois termos como mantra, até nos sentirmos tomados por seu significado, sob esses céus –que baitas céus.
Há infinitas razões para percebermos contentamento em volta e dentro de nós mesmos. Você deve ter as suas. Descreva-as. Repita-as em voz alta. Espalhe-as como se faz com essas bandeirinhas de oração tremulando ao vento. Deseje que a alegria possa beneficiar a todos. Persista, aguarde um tempo e veja o que acontece.